terça-feira, 1 de maio de 2007

breve apontamento sobre a cegueira


vivo sob o império da imagem. não quero amar, mas apenas ver. não me desejo envolver, mas apenas espreitar. e contigo fiz um conluio no sentido de te expores in-decente sabendo ambos que o fazes para mim como o poderias fazer para qualquer outro. acontece numa fracção de segundo; tu apareces, ou simplesmente anuncias-te e vais-te desnudando em cada parte do corpo, conforme. jamais te dás a ver inteira, pedes sempre a tua antecessora e a tua sucedânea, enquanto as minhas pulsações crescem, parecendo-me que atroam o prédio todo, a paisagem. mas é evidentemente uma ilusão calculada, sabida bem de nós dois. são só fragmentos, ilusões, portas que se abrem ou fecham, e em cujo ranger se procura uma alusão apenas de reversibilidade. o que eu fito em ti é a impossibilidade absoluta de te ver, é o espanto perante a aparição da minha eternidade, deste instante que custa a passar entre o meu nascimento e a minha morte. por isso, amor, meu amor de sempre, para me dedicar a ti tive há muito que te fixar numa parede, num écrã, numa janela, por detrás de uma cortina, no halo de luz que passa do lado de lá de uma árvore. crucifiquei-te, sim, espetando os teus múltiplos fragmentos com milhares de alfinetes em quadros, em fotografias. e tu não te coíbes de te multiplicar, de te desdobrares indecentemente sempre revelando novos segredos, pequenos indícios, que me trazem preso a ti, na esperança de um dia finalmente poder descansar, quando os olhos para sempre se me abrirem, e eu puder finalmente fixar-me no rosto do espanto absoluto, com os joelhos dobrados em sangue; empapando progressivamente o tapete vermelho da verdade.

copytight voj 2007

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