quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Saramago: o efeito perverso da descontextualização

Saramago é o nosso Nobel da literatura.
Estamos num país dito livre de opinião.
A opinião de um escritor que é Nobel tem um peso e responsabilidade próprias.
O que disse Saramago não tem em si nada de novo - mas é, como ele bem sabe, simplista.
O que disse Saramago foi dito de forma descontextualizada e portanto muito redutora.
A Bíblia é o nosso livro fundador, o livro fundador de várias culturas.
Saramago pode dizer o que entender, e não acredito que desta vez o tenha feito para fins de publicidade do livro Caim, pois de tal não precisa.
O que talvez mostre alguma falta de serenidade, para não dizer de bom senso (será a idade que já o vai afectando?) é proferir afirmações desgarradas, afirmações que ele sabe muito bem que são tomadas logo pelos media, afirmações que têm um efeito boomerang, porque se voltam contra a grandeza dele, Saramago, e do Nobel que nos representa a todos.
Fala um agnóstico, um admirador de Saramago, e uma pessoa que ainda não leu o seu último livro Caim.
Fala uma pessoa que estudou um pouco da Bíblia, e que quando se licenciou em História, há muitos anos, por sinal a melhor nota que tirou em todo o curso foi numa cadeira chamada "História do Cristianismo".
E por fim: qualquer agressividade em relação ao escritor por causa do que ele disse é pura baixeza.
Mas é pena que ele se exponha assim: não havia necessidade.

8 comentários:

Ana Macedo Lima disse...

Concordo plenamente. E acrescento que a leitura do livro é mesmo fundamental para se perceber o patético que tem sido este atear de fogueiras ao autor. Pior do que o conteúdo do livro é a reacção despótica dos que, sem sequer ler o livro, se pronunciam sobre o direito do autor à sua própria liberdade de expressão. E, consequentemente, à nossa, de o ler ou não. Lamentavelmente, o tempo de antena da Igreja nos canais do nosso Estado laico ainda é muito grande. Mas nem a Bíblia é exclusiva da Igreja Católica, nem eu sou obrigada a levar com os Srs. Policarpos em cima e mais os seus considerandos que me interessam muito menos do que o romance do Saramago.

Ana Macedo Lima disse...

Fica um link de um autor muito 'boa onda', no meio de tanto ruído chato, que encontrei no YouTube. Há vários vídeos. Para quem gostar dele, de C.G.Jung.
http://www.youtube.com/watch?v=T-Ab3tlpvYA&feature=player_embedded

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado pelo seu contributo. Confesso que Jung, do pouco que sei dele, nunca me satisfez. Mas, quem sou eu?...

Ana Paula Fitas disse...

Vou atribuir um Selo VIP ao "Trans-ferir"... daqui a pouco, no A Nossa Candeia.
Um grande abraço,
Ana Paula

José Manuel disse...

Uns convertem-se quando pressentem o fim do caminho, outros antes pelo contrário. Mas o discurso de Saramgo não é propriamente inovador. o que ele disse já antes, de forma superior e com maior acutilância, o escrevera Guerra Junqueiro na "Velhice do Padre Eterno", pequena obra-prima atirada para o esquecimento. Mas hoje ninguém se escandaliza com Guerra Junqueiro. Apenas com Saramgo que levanta outro tipo de anticorpos. Toda a gente comenta de forma descontextualizada os fragmentos seleccionados pelas televisões sobre as leituras biblicas descontextualizadas de Saramago e apenas servem para alimentar a sociedade do espectáculo enquanto não aparece outro assunto novo.

Blogat disse...

Só se expõe assim aqueles que têm a serenidade(e não a falta dela) e a confiança no seu viver no seu fazer.E ele tem.
A partir de um certo ponto, na vida e na obra, certas coisas,por maiores polêmicas que venham a causar, não importam tanto,ou mais.Invejo.
Não li, ainda.Pretendo.

Ana Macedo Lima disse...

Comentário de R. Zimler, com o qual concordo completamente: http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=243802

Vitor Oliveira Jorge disse...

O comentário de Zimler é óptimo, excelente, preciso. Também interessante foi o que fez António Guerreiro no Expresso ao que aqui importa, que é o livro.
Como todas as "divas", Saramago aprecia de vez em quando dizer o que lhe apetece... e não há mal ao mundo com isso, no meio de tanta porcaria que se vê na TV! Ou seja, para mim isto foi um fait-divers. Privilégio de Nobel e de qualquer estrela de Hollywood, por exemplo...não há que levar demasiado a sério!