creio que o erro principal de alguns idealistas (no sentido corrente) no que toca às relações inter-individuais foi quererem fazer coincidir nas relações afectivas de dois indivíduos coisas totalmente diferentes umas das outras. o desejo erótico, dito sexual, que pode emergir a qualquer momento por uma multiplicidade de estímulos, e mais cedo ou mais tarde se desvanecer. a paixão, apaixonamento, ou amor romântico, que pode ocorrer como uma espécie de doença do espírito, em que alguém se vê totalmente ao espelho naquela ou naquele em que obcecantemente concentra a sua necessidade de intensificação egotista. o companheirismo, a amizade, a vida em comum, feita de grande respeito e admiração pelo outro, com tudo o que isso tem de sentimento de companhia e também de cedência (toda uma logística, toda uma improvisação) e de recalcamentos do individualismo. a formação de uma "família", nalguns incluindo descendência, o que imediatamente os liga (os prende inelutavelmente) a toda uma genealogia e a toda uma economia.
estas coisas todas juntas nas mesmas pessoas, ou sonhadas pelas mesmas pessoas como ideal de vida, só podem criar frustração, sobretudo numa época em que a individuação dos elementos sociais é uma desindividuação, uma organização individual segundo as directrizes do desejo comandado pelo mercado. Não há freios, não há amarras possíveis para tal mar à deriva. assim, todos os barcos chocam uns contra os outros. só pela leitura e reflexão, e por um fundo de equilíbrio psíquico penosamente recomposto todos os dias, alguns se safam, sobretudo se tiverem uma actividade que os realiza e que lhes permite uma fresta de abertura ao outro como totalmente outro. por alguma razão nos filmes clássicos de bergman os artistas são os "únicos que se "salvam", que mantêm a alegria possível (seria descabido falar de felicidade) no meio da comédia e da tragédia das outras personagens.
claro que no mundo prático, a maior parte das pessoas, possivelmente, há que séculos que superaram todos estes idealismos. toca a gozar, é a lei, não se podendo porém de quando em vez evitar o sofrimento, a sensação do vazio de um investimento feito para nada, ou de que apenas restam fragmentos. porque (julgo) em muitos "hedonistas" há sempre, recalcado, um idealista à espera de encontrar a perfeição, de ultrapassar o "clash" com "a pessoa" que o (a) salvaria. E nessas fantasias vamos-nos mexendo, umas vezes mais entusiasmados, outras mais desistentes.
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