V Ciclo Anual Jovens Cientistas Sociais
2009-2010
14 Outubro 2009, 17:00, Sala de Seminários do CES
Bruno Monteiro (Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras e Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação, Universidade do Porto)
A contestação pelo corpo. Uma etnografia das consequências incarnadas dos processos de recomposição social entre o operariado de uma comunidade industrializada no Noroeste português.
Resumo: Esta comunicação procura perceber as consequências incarnadas dos processos de recomposição social de uma comunidade industrializada do Noroeste português e explicar os efeitos imediatamente «subjectivos» («psicológicos» e fisiológicos) a partir de inflexões objectivas na trajectória social.
A etnografia sociológica realizada ao longo de 2007 e 2008, envolvendo a observação participante (salientando-se a experiência como operador de máquina numa fábrica de móveis durante 14 semanas e a residência durante 5 meses na comunidade, onde foi possível participar nas actividades de um clube de futebol amador e frequentar os diversos locais de condensação relacional do operariado) e a realização de entrevistas semi-estruturadas aprofundadas a 35 operários da indústria do mobiliário (com uma duração entre os 60 e os 300 minutos cada), procurou, enquanto modo de pensamento sociológico em acto, concretizar uma estratégia de pesquisa teoricamente orientada de «regresso à terra áspera» (Wittgenstein) que parece especialmente adequada ao estudo de repercussões «silenciosas» e «naturais» das dinâmicas de estruturação do espaço social local.
«Andar desanimado» e «desmotivado» parecem configurar aspectos somatizados de realidades condicionadas e condicionantes de experiências de desafiliação vivida nos lugares de sociabilidade operária («mau ambiente», «falta de respeito», «consumições»). A relação de «desconfiança» relativamente ao mundo, ao futuro e aos outros, as insónias e pesadelos motivados pelas «preocupações», a sensação de fadiga permanente, os «problemas dos nervos», a experiência de opressão espacial e corporal («sufoco», «pressão», «aperto») parecem constituir modos de expressão tácita de experiências somáticas culturalmente mediadas por um «sistema [económico] nervoso». A «azia» e o «ardor no estômago», a «cabeça quente» e «ficar a ferver», sensações tendencialmente associadas a experiências de «vergonha» e de «atrapalhamento», revelam a incarnação da classe tal como ela é quotidianamente (re)constituída nos quadros de organização da interacção. Estas metáforas corporais permitem articular e esclarecer vivências que, de outra maneira, permaneceriam inarticuladas, reprimidas e censuradas pelo sistema local de poder ou que acabariam desviadas para formas de expressão socialmente prescritos e reconhecidos. Estes exemplos, que relevam das práticas e dos discursos operários, regra geral intermitentes e fragmentários, são uma espécie de evocação visceral que vêm a «dar corpo», em sentido figurado e literal, às tentativas para atribuir coerência às transformações sociais.
Nota biográfica: Doutorando em Sociologia pela Universidade do Porto. É investigador do Instituto de Sociologia (Faculdade de Letras da Universidade do Porto) e do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto). É membro da rede europeia SCUD – Network for the Studies of Cultural Distinctions and Social Differentiation – e da comissão coordenadora do Centro de Documentação e Informação do Movimento Operário da Universidade Popular do Porto.
Fonte: http://www.ces.uc.pt/extensao/jcs/jcs5_conf1.php
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