quarta-feira, 14 de outubro de 2009

cântico



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Obrigado, pela tua generosidade.
Ao longo de toda uma vida, a tua mão
Explodiu sempre entre os meus olhos.

Como um fogo de artifício, como um artifício
Assim atirado sobre o peito, sobre a roupa de sair.

Obrigado por isso, por essa música interminável
Que tocaste incansavelmente ao longo de toda uma vida
Enquanto as laranjas aumentavam e mudavam de cor no pátio.

Obrigado pelo violoncelo do teu corpo, a cuja cintura
Fui morrendo ao longo de toda uma vida,
De toda uma composição interminável e carinhosa.

Por me teres dado os frutos da companhia, e nem bens,
Nem filhos, nem outras propriedades que possua ou legue.
Mas a tua mão explodida junto ao meu rosto, o teu rosto.

Um gesto, tão subtil como o amadurecer dos frutos
Para além das janelas, do seu filtro verde, escondidos
Como cores preciosas, berrantes, entre as folhas verdes.

Obrigado por isso, por teres ficado depois de toda a gente
Partir, para o deitar, para o abraço carinhoso, para esse
Atirar da tua mão sobre o meu canto, exigindo: canta!

E eu cantei, como se fosse escutado por deus, como
Se iniciasse o universo nesta sombra da minha alcova
Sabendo-te sempre perto mesmo quando nada de ti sabia.

Nunca te quis, nunca quis ter propriedades sobre esta terra,
Mas tão só olhar os frutos, o seu amadurecimento ao longo
De toda uma vida, aperfeiçoar as mãos nas cordas do som.

Tocar, cantar infindamente! Como se acreditasse na eternidade,
Como se não me perseguissem as forças da inveja e da morte
A tua mão como uma flor oferecida ao meu rosto bastava.

Como um cumprimento forte, como uma oferta dolorosa
E doce, tão cortante e comovente, tão diferente do vulgar
Sentimento, uma música que eu nunca tinha ouvido!

Por essa dádiva te agradeço, um braço tão forte, um umbral
Tão acolhedor, poesia, na tua casa me deixaste entrar
Quase nu, e como amigo e esposo e amante me acolheste.

Só quem conhece o carácter mavioso da música da água
Escorrendo num pátio numa noite tão quente, tão luminosa
Que se não consegue sossegar, pode compreender do que falo.

O teu abraço tão profundo, a tua sombra sempre nos meus
Passos, deram-me a felicidade de cantar, cantar indefinidamente.
Sempre com a estrela da tua mão a estalar-me mesmo em cima.

Bem hajas por teres acarinhado o poeta, o seu persistente fervor
Pela nota certa, pelo dito certeiro, pela garganta que se abre
Em mil flores depostas no ar para caírem sobre a tua mão,

Oh amada.




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Foto: PASCAL RENOUX
site: http://www.pascalrenoux.com/
Texto: VOJ, Porto, out. 2009

4 comentários:

Blogat disse...

...felizarda amada,com a mão agraciada em flores e o coração pleno de júbilo e mansidão...

Blogat disse...

...felizarda amada,com a mão agraciada em flores e o coração pleno de júbilo e mansidão...

Tété disse...

Abençoada união...
...onde o amor e o agradecimento se unem sem necessidade de qualquer intromissão externa.
Que a felicidade seja uma constante interminável.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Gracias.