sábado, 8 de novembro de 2008

tesouras


tempo de dança.

quando as figuras saem do granito.
como sombras sobre o sol,
nutridas da sua luz em declínio.

figuras que se nutrem
dessa luz do sol
e por isso trazem o fim da tarde,
as suas costas descendo suavemente.

dança recortada
contra o azul da garganta
onde se acumulou, se intensificou
o ainda não dito:

figuras que passam sobre o pano de fundo
de um dia ainda a terminar
e de outro já a nascer.
figuras que arranham as amígdalas.

não são corpos, não têm
materialidade. são recortes
que ferem o azul, o que afoga a faringe,
este azul.

e os pés precipitam-se
sobre as ervas que os perfuram,
sobre o restolho que os corta,
numa ansiedade de seios atirados.

os cabelos ferem-se
contra a nitidez cortante do pano,
a zona lombar arde
e acaba por se submeter

à perenidade das ervas,
as que ficam sempre depois
das figuras voltarem à pedra,
dos corpos se deitarem,

das luzes se apagarem,
nesta obediência infantil
aos ritmos naturais,

como se nós, criaturas da imaginação,
não aspirássemos sempre e sempre
àquilo que as figuras anunciam
e sempre miseravelmente
se nos escapa


no interstício breve, breve,
entre um dia e outro,
como aparição que se nega
a si mesma, e apenas nos devolve
o seu prenúncio!


atroz dança a nossa.
procurando sempre acompanhar
com as tesouras
os recortes do horizonte.

escortinhar os panos.
descortinar as frestas.

























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Fotos: Dave Levingstone
Fonte (rep. aut.) : http://www.art2view.com/DaveLevingston/

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