domingo, 9 de novembro de 2008

corredor

Quando as paredes costumavam
Estar aqui,
Fazendo pendant com a maresia,
Com a luz azul do mar,

Quando as arquitecturas envolviam
O corpo e os móveis,
E a vida era uma circulação
Tranquila;

As violas de gamba podiam soar
Ao longe, como se viessem
Com os barcos e as gaivotas,
Apelos do mar.

E os músicos de laços apertados
Colocavam o arco sobre
A nota certa, e o corpo sobre
O enxadrezado do chão, o veludo
Dos cadeirais:

E passava-se então
Qualquer coisa, que transcorria
Pelos móveis das tardes,
Pelos recantos das esquinas: era
Um Corpo!

E a música concrecionava-se de
Criaturas de Deus, como bancos de moluscos,
Tenazes e agarrados.

Caminhar era tocar uma orquestra
Pelos corredores,
Uma orquestra de câmara
Pelos jardins graciosos.

E os pés mal se erguiam
Para dar seguimento.

A visitação vinha do mar,
Dos seus espelhos, dos seus matizes
De azul e verde, das suas algas.

E Heinrich Ignaz von Biber
Compunha as suas sonatas
Para violino, viola, harpa, e tantos outros
Instrumentos que vibravam e
Confirmavam
A decoração dos tectos,
Os pontos de fuga
Da perspectiva.

O olhar soberano podia daqui
Ver os barcos chegando e partindo,
Os grandes peixes fantásticos,
Enfunados, como mulheres grávidas
Circulando pelo ar.

As barrigas enchiam-se de ovas,
E todos comíamos com agrado e risos
Esse alimento amarelo, natural.

Enquanto as mulheres faziam poses,
Calçavam meias, mostravam os joelhos
À manhã que vinha do mundo,
Do mar.





Foto: Bogdan Zwir
rep. aut.
Site: http://www.zwir.ru/zwir.htm

texto: voj porto nov. 2008
música de fundo (inaudível nesta postagem):
Biber (1644-1704), The Mystery Sonatas, Ensemble Orchestra
Walter Reiter, violin

Sem comentários: