terça-feira, 4 de novembro de 2008

com a mais cruel



Deste-me o teu coração
Como quem entrega um seixo
Colhido no rio
Ou uma prenda com um laço
Para abrir, esse Gesto

Com que se atam os Sentimentos.

Avançaste com uma mão,
E eu pensei que era para mim.
Que me vinhas dizer: vê, arranquei
O coração do rio, escolhi-o
Entre as pedras, caminhei com ele
Entre as mãos.

Vê, estou inteira
Dentro da mesma camisa de noite
Com que caminhei entre os reflexos
Da água, entre os brilhos do dia,
Intacta.

Para fazer o Gesto.

E nem por isso o bordado
Da minha vida se desfez.
O meu enigma continua
As suas pulsações
Bombeando sangue

Entre os dois extremos
Entre a foz e a nascente
Com a mais cruel docilidade.

Trago-te o meu coração
Arrancado ao peito, com veemência,
Com violência
E atiro-to à tua surpresa
Como um seixo do rio, macio, suave,
Limpo. Tão limpo, tão nu.

Eis o meu Sagrado Coração.
Desprevenido.



_______________________________________

Imagem: Cecilia Paredes
Rep. com autorização da galeria Arthobler, Porto
site: http://www.arthobler.com/artists/cecilia%20paredes/pages/cecilia%20paredes%20home.htm

texto: voj porto novembro 2008

Sem comentários: