Dizia-me uma vez um velho, que já tinha vivido muito: aquilo que há de mais dramático na existência de um ser humano é assistir ao progressivo processo de enlouquecimento do outro (referia-se a um grande amigo, o seu maior amigo, a quem estava muito afectivamente ligado): naturalmente que o louco, ou o que está a enlouquecer, não aceita isso, por definição.
Então, dizia ele, uma pessoa vê o outro a arrastar-se lentamente para o abismo, convencido de que está bem (por vezes mesmo na euforia de que nunca esteve melhor), rodeado de amigos e com um projecto próprio, quando o panorama é de absoluta desolação alucinatória. Uma espiral sufocante em que qualquer tentativa de ajuda é entendida pelo que está a enlouquecer como uma intrusão agressiva, como um mal que o impede de realizar o seu desejo.
Não há então maior solidão nem sofrimento para quem tem afeição, disse-me esse velho, porque não há ninguém a quem dar o alerta da absoluta alienação do outro, do abismo para o qual inexoravelmente ele caminha. Não há possibilidade de desabafar com ninguém, em circunstância alguma, para não defraudar a amizade e confiança do seu melhor amigo.
Não é uma solidão ou um desespero vulgar. É uma luta diária, dizia esse velho, para resistir à loucura, para não enlouquecer também.
É uma tortura sem torturadores, uma agonia sem morte, uma cama numa casa em ruínas à espera que sobre ela desabe o que ainda resta do tecto.
Esse velho impressionou-me. Ainda hoje, passados tantos anos, não esqueci o que me disse.
Foto: Ernesto Timor
Fonte: http://www.ernestotimor.
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