sexta-feira, 14 de março de 2008

A Reprodução Interdita








A reprodução interdita


No museu de Roterdão – Boymans-van Beuningen Museum – existe um óleo sobre tela, com as dimensões de 79 por 65,5 centímetros, que se intitula: “A Reprodução Interdita (Retrato de Edward James)”, e que foi pintado por René Magritte em 1937.
Trata-se de uma figura de tipo masculino virada para um espelho, no qual todos os objectos estão reflectidos como habitualmente, menos a dita figura.
Este quadro faz parte de uma série de “retratos” que aquele banqueiro inglês e coleccionador de arte encomendou ao autor, que foi seu hóspede durante vários meses.
O que esta pintura “representa” é a absoluta incapacidade (impossibilidade) da reprodução, de representação, do outro. O outro é para ele mesmo um enigma, tal como para mim que o vejo. O outro é uma pose enigmática: por isso tanto me dá que me volte o rosto ou não, tanto lhe dá que se veja a si no espelho como não. A sua pose é mais importante que o suposto ele que ele é (ou julga ser). Mas o banqueiro pagou: e nesse sentido aceitou a obra, tornou-se cúmplice do pintor. Quer dizer, sabia ser uma pose, uma sucessão de poses (porque há várias versões destes “retratos”). Ao olhar-se voltada para o espelho, a figura vê aquilo que o pintor vê: observa-se de costas. Mas o pintor vê mais: vê-o a ele reflectido como a imagem que o pintor vê. E o pintor dá-nos a ver isso, o que nos permite ver mais que ambos, naquele momento que o quadro supostamente fixa.
O mistério permanece: e se um dia o retratado se voltar, cento e oitenta graus, e encarar de rosto o retratista? Verá finalmente este a face de Edward James olhando-o do espelho, no retrato?
Está aqui (na obra e nas perguntas que suscita, nos definitivos abismos – ou se quisermos, nas pequenas fissuras - que abre) toda a arte, toda a ciência, toda a cultura do Ocidente. Todo o nosso abandono. Todo o nosso génio.




6 comentários:

Treasureseeker disse...

Sem dúvida.Aqui está o grande mistério inerente à condição humana:o conhecer o "outro";saber,realmente quais os verdadeiros mecanismos que formam a personalidade alheia,nos seus actos,pulsões e instintos.
Ao mesmo tempo,o Homem não consegue,muitas vezes,conhecer-se a fundo,determinar quais os verdadeiros traços da sua Psique,pois as camadas da Consciência humana são como um mar revolto:são enganadoras e de forma incerta.Gosto muito do quadro do Magritte.É muito eloquente neste sentido.

Treasureseeker disse...

Deixo-lhe aqui duas sugestões:uma de pintura e outra de poesia,isto,claro está,se já não conhecer.Ferdinand Hodler,pintor suíço,considerado um dos grandes nomes do Simbolismo.Vittoria Colonna,poetisa italiana do século XVI,que escreveu sonetos de grande beleza.Tem aqui o endereço do site:http://www.jimandellen.org/vcpoetry/vctitle.htm
Os textos estão traduzidos para Inglês,mas só os consegui obter assim.Espero que goste.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Quais são os seus pintores preferidos?

Treasureseeker disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Treasureseeker disse...

É uma pergunta complicada,porque gosto de muita coisa,dentro de várias épocas e estilos,mas...aí vai:Berthe Morissot;Kokoschka;Klimt;Brueghel;Matisse;Pollock;Kandinsky;Soutine;Vieira da Silva;Picasso;Van der Goes(adoro os Flamengos);Renoir;Goya;Monet;Degas;Almada;Souza-Cardoso;Dali;Tanguy;Hobbema(pela vertente Natureza,simples);Mondrian;O´Keefe;Leonardo;Rafael;Giotto;Fra Angelico(pela generosidade da sua fé);Magritte;Hodler;Galen-Kallela;David;El Greco,e outros ainda.Gosto de vários géneros.

Ana Maria Costa disse...

Muito interessante!

Bom final de semana!