Sonhamos sempre fazer nele mil coisas que nos apetecem...
Melhor: não sonhamos, nem fazemos planos, apenas imaginamos que nos vão acontecer surpresas indefinidas, algo que preencha este vazio que trazemos envergonhado no fundo dos bolsos.
E de repente o fim de semana já acabou e lá vamos como todas as outras formigas cumprir os rituais que nos mantêm activos, incluindo os do lazer quando ele é possível...
Não me sinto velho, pois estou lúcido, desejante de muita coisa, aprendendo.
Mas sinto-me como que aí pelas 5 da tarde de um domingo, quando uma pessoa percebe que já não vai poder ver o tal filme, ou acabar o tal artigo, ou fazer o tal passeio, ou chegar ao fim da leitura de tal livro... ou isso tudo ao mesmo tempo... e que já é muito pouco provável que nesse fim de semana encontre finalmente o(a) amigo(a) utópico(a) que nos salvaria a vida. A fantástica aparição própria de um quadro de Ernst. A surpresa mesma, e a fascinação.
O fim de tarde tem as cores mais belas do dia; o sol pleno queima tudo, enquanto o entardecer enobrece as imagens com uma expressão de púrpura, ou de ouro. Mas é sol de pouca dura.
Por isso o dia da semana de que mais gosto é o sábado. Ainda há um domingo no dia seguinte, antes da impiedosa máquina burocrática recomeçar.
E às vezes há sábados em que fico sozinho em casa. Toda a gente imagina que sou um trabalhador indómito, um viciado no trabalho.
Não: sou um apreciador de coisas da vida que exigem concentração (como uma leitura), mas se a pessoa utópica aparecesse eu largava tudo para ir com ela. Um fim de tarde não dá muito para hesitar.
A situação objectiva é que tenho uma companheira com quem vivo há 35 anos e, apesar de tudo (somos distintos em quase tudo) ainda não encontrei ninguém com quem valesse a pena trocar de vida; e ela deve pensar o mesmo de mim, pelos vistos, pois julgo não ser masoquista e ter mesmo um grande desejo de autonomia e de vida própria.
Por que conto tudo isto, neste blog? é que eu sei que nós nunca nos contamos a não ser no domínio das idealizações que fazemos de nós e dos outros. A vida é de certo modo um sonho, e confessarmo-nos uma encenação, uma performance, a criação de uma imagem que escapa às regras do verdadeiro e do falso, que nos orienta no dia-a-dia prático. Sobretudo durante a semana.
Às vezes fico sozinho em casa fins de semana inteiros, como este, e o que gosto é de deambular entre divisões e livros. Oxalá tivesse uma casa grande onde pudesse finalmente colocar por ordem todos os meus livros, e os gatos pudessem correr pelo jardim. Assim estão a engordar como eu, e às vezes o seu olhar diz-me que estão cansados de estar aqui.
Mas ir para onde?... a insatisfação, que vejo espelhada no olhar dos bichos, esta sem-razão (sobretudo naquela faceta que podia não existir, isto é, se eu fosse rico para poder expandir-me no mundo) esta falta, é impreenchível.
Essa a consciência do fim de tarde - do dia e da vida.
E a miserável tendência para a conservação: o medo de perder, a qualquer momento, o que já se tem, o que já se conseguiu, adiando o projecto que nos "regenerasse".
Enfim, palavras da insónia.
2 comentários:
É no mínimo reconfortante ler estes textos e perceber que afinal não somos os únicos a pensar assim! Identifico-me com muitas das coisas que tenho lido por aqui!
Ao fim-de-semana (principalmente) é quando tenho um tempinho para vir até aqui e como que refrescar a mente de todo o tipo de poluição com que me tenho de confrontar durante uma semana de trabalho!
Este blog tem propriedades medicinais :)
Tem razão: a poluição de todo o tipo é a nossa ecologia. Não há pachorra. Eu já não vejo televisão, ou então procuro qualquer programa de interesse. O meu blogue e tudo o que nele se espelha é o meu refúgio... continue a passar por cá.
Abraço
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