Por opção, evidentemente, este blogue não é um boletim de notícias ou um registo do tudo o que me vai marcando... não me referi aqui, por exemplo, à morte de Bergman ou de Antonioni, ou se o fiz foi de modo muito ligeiro. Já nem me lembro.
Soube da morte do Eduardo Prado Coelho, uma pessoa que muito admiro, no Sul da Tunísia, no dia 26 (quando ele tinha falecido no dia anterior), através de uma sms enviada para a minha mulher por pessoa amiga.
Senti sincero desgosto. Para mim, pessoas como o Eduardo (que tinha certamente os seus defeitos e imperfeições como cada um de nós) fazem-nos muita falta. Não só pelas suas crónicas do Público (às vezes, sobretudo no tempo do "Mil Folhas", a única razão para se comprar o jornal, que em geral não há tempo para ler), aliás ultimamente reduzidas a um espaço muito pequeno.
Eu sabia que ele andava doente, possivelmente muito doente, o que se adivinhava nas próprias fotos. Mas julguei que recuperasse e que continuasse a dar-nos as suas reflexões e informações, com frequência muito úteis ou certeiras, mas pelo menos nunca inócuas.
Lembro-me de, quando eu era aluno em Lisboa, o ver à porta do Instituto de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras. Uns anos mais velho que eu, era todavia meu conhecido através por exemplo do Jornal de Letras e Artes (que eu lia quando era ainda estudante no liceu Camões), e onde ele manteve uma polémica célebre com o Vergílio Ferreira (meu professor naquele liceu) sobre existencialismo, estrutralismo, etc.
O Eduardo é um pilar da nossa vida cultural durante a segunda metade do século XX. Recordo também que um dia estava no Algarve e soube pelo jornal que tinha saído o segundo volume do seu "diário", "Tudo o que Não Escrevi". Meti-me no carro a toda a velocidade para Faro, para a Livraria Bertrand, que naquela altura (não sei se ainda é assim) fechava às 22 h. Depois de muito esforço, lá consegui que a empregada (completamente alheia ao que fosse a minha urgência, a minha ânsia em chegar ao livro) desatasse uma série de embrulhos recentemente chegados e confirmasse a presença do livro, que me acompanhou na restante parte das férias, além de ter ficado logo exposto na montra.
O Eduardo colaborou em 1992 numa mesa-redonda que organizei no Porto com Augusto Santos Silva (e cujo livro está publicado), e mais recentemente noutra intitulada "As Imagens que nos Vêem" (também publicada em livro). Estávamos às vezes em contacto, embora nunca tenha sido um próximo dele. Eu enviava-lhe os livros que ia publicando. Mas o Eduardo fazia parte da minha vida, das minhas referências, daquelas pessoas que constantemente nos abrem caminhos, que criam um espaço de diálogo que tanta falta faz ao nosso país.
A diversidade de modos de expressão e de intervenção caracterizou-o. Era espantosa a sua pertinente informação sobre os mais variados assuntos.
Costuma-se dizer que os valores de uma pessoa são também os seus defeitos. Por outro lado, àqueles que nos são de algum modo queridos, de quem necessitamos, pedimos sempre mais e mais, numa evidente desproporção e injustiça... eu teria pedido ao Eduardo que não se dispersasse em tantas crónicas e em tantas referências (num afã de estar sempre "a par", ou de revelar novos "talentos"), e nos desse uma obra ensaística nesta fase da sua vida, densa e pessoal, como qualquer um de nós desejaria fazer, Por vezes dava a sensação de que tanta informação, tanta vontade de intervir, de aparecer no espaço público, o engolia. Havia nele, sobretudo antes de estar mais doente, uma compulsiva vontade de aparecer, de seduzir. Ora como é evidente uma certa indiferença ou afastamento do mundo é essencial à construção de uma obra.
O Eduardo, sobretudo nos domínios da sua especialidade, deixou-nos essa obra, indubitavelmente. Quem sou eu para a julgar!... mas... foi pena que não tenha lançado, depois destes livros dos últimos anos, em que coleccionou crónicas e apontamentos, algo de mais denso e estruturado sobre o mundo contemporâneo e sobre o nosso país, que estava, como ninguém, em condições de fazer. No fundo, dar-nos a sua perspectiva "filosófica" sem a preocupação de tantas citações e referências: cortar a direito nesta espécie de gelatina que é o nosso caldo cultural e apresentar algo a que todos aspiramos: um livro onde a erudição esteja pressuposta, mas que assuma uma perspectiva, que nos dê com que concordar e discordar de uma maneira extensa.
Com tanta movimentação, EPC não teria podido escrever esse livro, ou teria optado decididamente por não o fazer, evidentemente. Porquê? Só os seus próximos o saberão.
O Eduardo vai fazer-me falta, mas estou-lhe grato pelo muito que me deu a ler. E para mim a morte de uma pessoa que é uma referência é apenas uma certeza (para além do sentimento de tristeza, está claro): a de que continuará a existir na minha memória e nas minhas leituras. Afinal, a maior parte das figuras que estão vivas, fisicamente, estão mais que mortas para mim, nem sequer existem. O Eduardo, desde os velhos tempos do "Diário de Lisboa-Juvenil", ficará sempre a ser um dos indivíduos que mais estimo.
Soube da morte do Eduardo Prado Coelho, uma pessoa que muito admiro, no Sul da Tunísia, no dia 26 (quando ele tinha falecido no dia anterior), através de uma sms enviada para a minha mulher por pessoa amiga.
Senti sincero desgosto. Para mim, pessoas como o Eduardo (que tinha certamente os seus defeitos e imperfeições como cada um de nós) fazem-nos muita falta. Não só pelas suas crónicas do Público (às vezes, sobretudo no tempo do "Mil Folhas", a única razão para se comprar o jornal, que em geral não há tempo para ler), aliás ultimamente reduzidas a um espaço muito pequeno.
Eu sabia que ele andava doente, possivelmente muito doente, o que se adivinhava nas próprias fotos. Mas julguei que recuperasse e que continuasse a dar-nos as suas reflexões e informações, com frequência muito úteis ou certeiras, mas pelo menos nunca inócuas.
Lembro-me de, quando eu era aluno em Lisboa, o ver à porta do Instituto de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras. Uns anos mais velho que eu, era todavia meu conhecido através por exemplo do Jornal de Letras e Artes (que eu lia quando era ainda estudante no liceu Camões), e onde ele manteve uma polémica célebre com o Vergílio Ferreira (meu professor naquele liceu) sobre existencialismo, estrutralismo, etc.
O Eduardo é um pilar da nossa vida cultural durante a segunda metade do século XX. Recordo também que um dia estava no Algarve e soube pelo jornal que tinha saído o segundo volume do seu "diário", "Tudo o que Não Escrevi". Meti-me no carro a toda a velocidade para Faro, para a Livraria Bertrand, que naquela altura (não sei se ainda é assim) fechava às 22 h. Depois de muito esforço, lá consegui que a empregada (completamente alheia ao que fosse a minha urgência, a minha ânsia em chegar ao livro) desatasse uma série de embrulhos recentemente chegados e confirmasse a presença do livro, que me acompanhou na restante parte das férias, além de ter ficado logo exposto na montra.
O Eduardo colaborou em 1992 numa mesa-redonda que organizei no Porto com Augusto Santos Silva (e cujo livro está publicado), e mais recentemente noutra intitulada "As Imagens que nos Vêem" (também publicada em livro). Estávamos às vezes em contacto, embora nunca tenha sido um próximo dele. Eu enviava-lhe os livros que ia publicando. Mas o Eduardo fazia parte da minha vida, das minhas referências, daquelas pessoas que constantemente nos abrem caminhos, que criam um espaço de diálogo que tanta falta faz ao nosso país.
A diversidade de modos de expressão e de intervenção caracterizou-o. Era espantosa a sua pertinente informação sobre os mais variados assuntos.
Costuma-se dizer que os valores de uma pessoa são também os seus defeitos. Por outro lado, àqueles que nos são de algum modo queridos, de quem necessitamos, pedimos sempre mais e mais, numa evidente desproporção e injustiça... eu teria pedido ao Eduardo que não se dispersasse em tantas crónicas e em tantas referências (num afã de estar sempre "a par", ou de revelar novos "talentos"), e nos desse uma obra ensaística nesta fase da sua vida, densa e pessoal, como qualquer um de nós desejaria fazer, Por vezes dava a sensação de que tanta informação, tanta vontade de intervir, de aparecer no espaço público, o engolia. Havia nele, sobretudo antes de estar mais doente, uma compulsiva vontade de aparecer, de seduzir. Ora como é evidente uma certa indiferença ou afastamento do mundo é essencial à construção de uma obra.
O Eduardo, sobretudo nos domínios da sua especialidade, deixou-nos essa obra, indubitavelmente. Quem sou eu para a julgar!... mas... foi pena que não tenha lançado, depois destes livros dos últimos anos, em que coleccionou crónicas e apontamentos, algo de mais denso e estruturado sobre o mundo contemporâneo e sobre o nosso país, que estava, como ninguém, em condições de fazer. No fundo, dar-nos a sua perspectiva "filosófica" sem a preocupação de tantas citações e referências: cortar a direito nesta espécie de gelatina que é o nosso caldo cultural e apresentar algo a que todos aspiramos: um livro onde a erudição esteja pressuposta, mas que assuma uma perspectiva, que nos dê com que concordar e discordar de uma maneira extensa.
Com tanta movimentação, EPC não teria podido escrever esse livro, ou teria optado decididamente por não o fazer, evidentemente. Porquê? Só os seus próximos o saberão.
O Eduardo vai fazer-me falta, mas estou-lhe grato pelo muito que me deu a ler. E para mim a morte de uma pessoa que é uma referência é apenas uma certeza (para além do sentimento de tristeza, está claro): a de que continuará a existir na minha memória e nas minhas leituras. Afinal, a maior parte das figuras que estão vivas, fisicamente, estão mais que mortas para mim, nem sequer existem. O Eduardo, desde os velhos tempos do "Diário de Lisboa-Juvenil", ficará sempre a ser um dos indivíduos que mais estimo.
3 comentários:
Foi sem dúvida uma grande perda.
Soube tb da notícia quando me encontrava de férias, e no mesmo dia do seu falecimento, estive a ouvir a repetição da última entrevista que EPC deu na Antena 2, julgo k à cerca de 2 anos, se não estou em erro. Grande pensador, de palavras contidas e simples...
Eliana
Admiro profundamente a sua simplicidade e, essencialmente, a sua erudição. Aqui venho assiduamente, admirar o espirito ou como se diz na Raia "espevitar a esperteza". Sobre este pedaço de sentimentos em torno de uma das figuras contemporaneas mais proeminentes das letras (Eduardo Prado Coelho)...aplaudo em pé...
um abraço raiano
Há uma semana estava num hotel de luxo (destes próprios dos pacotes turísticos) à beira do deserto- e foi aí que soube da morte do Eduardo Prado Coelho(uma sucinta sms enviada por alguém à Susana), desconhecendo então qual a razão de tão súbito acontecimento (ataque cardíaco, soube hoje pelo que li no Público e Expresso). Com ele morreu uma parcela importante da minha geração. A sua figura será certamente abordada, estudada e discutida com mais pormenor pelo tempo fora. Parece que faleceu sem sofrer - ao menos isso. Pessoas como o EPC são raras em Portugal e fazem-nos imensamente falta: porque o que ele simbolizava devia ser, de certo modo,o ar que respiramos: o brincar na vida e no pensamento com a seriedade de uma criança, frase (aproximadamente referida aqui) de Borges que ele citou e que vem referida numa das crónicas hoje publicadas nos jornais.
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