sexta-feira, 8 de junho de 2007

telefones

detesto, seja de que tipo forem.
os meus amigos e familiares sabem isso, e principalmente para o meu telefone fixo nunca me interrompem, sabendo quanto então se me exige de esforço para disfarçar a minha contrariedade.


telemóveis, só uso em caso de necessidade absoluta, o que nos dias que correm é praticamente impossível evitar. adoro, evidentemente, ouvir uma voz a dar-me uma boa notícia, por exemplo, que vou finalmente receber as provas de um livro, ou que mais um problema burocrático já foi resolvido. Isso, gosto.

tenho um telemóvel antigo, e só o ano passado aprendi a enviar sms com a ponta dos dedos, exercício difícil e sobretudo apenas servindo como um alarme, porque parece que as pessoas respondem como autómatos a um sms. é como se fosse um sos. tenho de investigar esta parecença de siglas. hoje, sem códigos e sem siglas, morre-se, inexiste-se, como se não se tivesse publicado uma única separata, ou se não se tivesse um curriculum com os devidos itens para apresentar.

mas uma mensagem sms, ou mesmo voice mail, quando o telemóvel está em modo de silêncio, é óptima, porque passa despercebida, e quando se vai ver a extrema, ingente urgência do assunto, entretanto já diz respeito ao mês anterior, e já está resolvido.


gosto de mails, sempre gostei, e tenho ligação à net desde há muitos anos (antes disso usava fax) - é uma necessidade da civilização e da cultura, que para monge ou robinson crusoé não tenho vocação.
um mail não tem som, não incomoda ninguém. envia-se quando se quer, responde o destinatário quando quer. num mail pode ir um livro, uma imagem, um poema, um apelo, uma carta, uma mensagem significativa... muitas das publicações que tenho coordenado e das reuniões que tenho programado foram quase todas construídas por mail. bem dito seja. já quase que estive a ponto de gostar mesmo muito de certas pessoas... que para mim eram apenas um conjunto de mails.

cá em casa habita outra pessoa, que neste aspecto é o absoluto contrário de mim. vive no que eu chamo a brincar um ambiente de feira popular, porque tem dois telemóveis, mas um deles, especialmente, toca umas músicas muito engraçadas, consoante é mensagem ou telefonema mesmo. Não se pode ter uma conversa seguida. a feira funciona 24 sobre 24 horas. uma pessoa pode estar a descansar às 2 da manhã e vem a feira; pode estar a discutir a filosofia de Kant (cá em casa somos muito cultos), e chega a feira; pode estar a tentar recuperar de uma noitada, e eis que alguém que acorda com a frescura matinal decide telefonar às 8.

enfim, lembra as aldeias, logo que chega o carro do peixe, e põe a tocar o quim barreiros, para todas as senhoras se acercarem e comprarem peixe fresco. quando parte para outro lugar, uma pessoa fica com os miolos a cheirar a maresia podre, a iodo estragado.

já repararam no que faz um português quando não tem mais nada para fazer? facto vulgar hoje em dia, pelo menos no panorama das ruas, dos transportes, de tudo: telefona.
dá tristeza, às vezes dó, ver assim um ser humano agarrado a um objecto, como se na mão fechada guardasse os segredos da vida e da morte.


por isso, quando nos aproximamos de alguém junto a uma árvore, não temos de pressupor que se está a esconder, como dantes, em que não havia tantas instalações sanitárias, e a resolver uma necessidade.
nem temos de pensar que enlouqueceu, - com obrigação ética de se telefonar para o 112 - uma pessoa com ar do que os franceses chamam "fou furieux", passando por nós na rua a falar sozinha, por vezes com ar zangado ou combinando coisas privadas em voz alta.

se não adivinharam ainda, eu digo: a pessoa vai a telefonar. quer dizer, especificando melhor: vai a receber uma chamada ou a fazer uma chamada.

tou, sim? quem fala?!

estamos na sociedade da comunicação, da informação e do conhecimento. estabelecimento?! não, aqui é de uma casa particular. não tem de quê.

2 comentários:

José Manuel disse...

O pior de tudo são aquelas empresas de telemarketing que nos telefonam às horas mais impróprias para saber se queremos assinar a Netcabo , subscrever a SportTv ou já vimos a última promoção da PT.
Eu também nunca gostei de telefones, mas tenho o azar de trabalhar num sítio onde o telefone está permanentemente a tocar com gente a pedir as coisas mais incríveis e sempre com muita urgência.

E engraçado como hoje as pessoas exigem (é o termo) que as pessoas estejam sempre contactáveis 24horas. Se desligamos o telemóvel por um dia somos logo vistos como uns excêntricos anti-sociais.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Subscrevo inteiramente. Faz parte da fragmentação a que o sistema nos conduziu...mas as pessoas adoram! Estão viciadas, como no tabaco os fumadores.