sábado, 23 de junho de 2007

sinal

durante muito tempo
vivi iludido
relativamente ao poder
das palavras.

imaginei que quando me lesses
qualquer coisa que te traz segura
se desprenderia;

e que isso, que não ouso nomear,
ficaria muito tempo sem destino,
aproximando-se
como os pássaros das falésias,


levitando como pena solta,

de cidade em cidade,
de continente em continente,

nuvem de partículas
atravessando incólume
o vento dos milénios,

mensageiro sem pressa,
levando na mala,
entre as cartas,
uma palavra caída no fundo.

assim, na grande mesa da sala

onde comia sempre sozinho
a um extremo,

todas as refeições já frias,

observava os insectos
que no outro extremo

vinham pousar nas páginas

ainda intocadas;

e descreviam nelas
trajectos avermelhados,

traços que podiam ser uma escrita.

por mim, estava ao dispor,
com inocência e júbilo,

não sei bem para quê.

como se tivesse ouvido
um grito vindo do passado,
ou doutro universo,
mas ainda a caminho;

como se tivesse visto
uma boca
prestes a regurgitar
todas as palavras
que eu te havia escrito.

e dizendo sempre
para mim próprio:

para que uma refeição
se consuma um dia
importa ter desde já

tudo bem preparado.



voj 2007



Foto: Pascal Renoux (reprod. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com/Nudes.html

Sem comentários: