durante muito tempo
vivi iludido
relativamente ao poder
das palavras.
imaginei que quando me lesses
qualquer coisa que te traz segura
se desprenderia;
e que isso, que não ouso nomear,
ficaria muito tempo sem destino,
aproximando-se
como os pássaros das falésias,
levitando como pena solta,
de cidade em cidade,
de continente em continente,
nuvem de partículas
atravessando incólume
o vento dos milénios,
mensageiro sem pressa,
levando na mala,
entre as cartas,
uma palavra caída no fundo.
assim, na grande mesa da sala
onde comia sempre sozinho
a um extremo,
todas as refeições já frias,
observava os insectos
que no outro extremo
vinham pousar nas páginas
ainda intocadas;
e descreviam nelas
trajectos avermelhados,
traços que podiam ser uma escrita.
por mim, estava ao dispor,
com inocência e júbilo,
não sei bem para quê.
como se tivesse ouvido
um grito vindo do passado,
ou doutro universo,
mas ainda a caminho;
como se tivesse visto
uma boca
prestes a regurgitar
todas as palavras
que eu te havia escrito.
e dizendo sempre
para mim próprio:
para que uma refeição
se consuma um dia
importa ter desde já
tudo bem preparado.
voj 2007
Foto: Pascal Renoux (reprod. aut.)
Fonte: http://www.pascalrenoux.com/Nudes.html
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