sábado, 23 de junho de 2007

Pergunta... e resposta rápida

COMO É QUE A NOSSA CULTURA INVENTOU A “PRÉ-HISTÓRIA” E POR QUE É QUE A POVOOU COM COISAS FAMILIARES ?


A ideia de pré-história traz no seu próprio nome o estigma que a acompanha desde a nascença. Pré-história seria um período anterior à história propriamente dita, ou seja, uma ponte entre a natureza e a cultura, entre a animalidade e a humanidade, entre nós (modernidade, ocidentalidade, centro do mundo) e o outro, entre a história propriamente dita (aquela em que acontecem coisas dignas de registo, interessantes) e uma espécie de passado remoto, primitivo, em que tudo o que aconteceu foi ao longo de muito tempo, e consistiu em consumar o aparecimento de nós próprios tal como somos (ou imaginamos que somos) hoje, isto é, nos últimos cinco mil anos, aproximadamente. Claro que essa centralidade, que deu origem à ideia no séc. XIX, está hoje muito posta em causa. Sabemos hoje que a nossa cultura é apenas uma entre milhares. Que o Estado é uma construção política recente. Que muitas das “instituições” que nos habituámos a considerar familiares, e portanto universais, susceptíveis de serem descritas na sua génese e nas suas tipologias de acordo com o tempo e o espaço, são tudo menos isso. Nada há de puramente natural, nem de puramente cultural, neste mundo. A realidade é muito mais complexa do que aquilo que não só o senso-comum imagina e toma por certo, como o que normalmente os colegas de outras disciplinas (incluindo a filosofia) aceitam como dado adquirido, elaborando os seus esquemas conceptuais e interpretativos a partir dessas pretensas evidências inquestionáveis.
O pré-histórico e o primitivo são uma invenção recente, que tem a ver com a sociedade patriarcal cujo máximo apogeu se ligou à industrialização, à ideia de progresso, à concepção puritana de família monogâmica, e a uma série de valores do séc. XIX, inícios do séc. XX, que a própria evolução do capitalismo contemporâneo, ao dissolver barreiras e liquefazer fronteiras (na vida real e no seu programa, pois as barreiras são contrárias à livre circulação do capital) contribuíu para esbater. Ao domesticarem o passado, colocando lá a “origem da família, da propriedade e do Estado”, como já Engels intentou, os arqueólogos estão a fornecer às pessoas uma visão infantilizada da complexidade do real, que se ajusta bem às explicações facilmente entendíveis pelo turista, pelo visitante, porque lhe são familiares. Desfamiliarizar essas ideias, como já a vida desfigurou e continua a desfigurar a família, instituição imaginariamente universal, base do sistema de parentesco, de aliança e de “laço social”, é agora tarefa do “pré-historiador” (pós)moderno. O feitiço voltou-se contra o feiticeiro.

1 comentário:

José Manuel disse...

Desde logo não existe uma pré-história. O conceito abarca sociedades muito diversas e que quase nada têm em comum (a não ser a ausência de escrita). Os recolectores paleolíticos nada têm em comum com as popoulações semi-nómadas ou sedentárias de outras épocas. Mas continuamos todos a mete-las no mesmo saco da "pré-história".

É claro que projectamos muitos dos nossos preconceitos sobre a pré-história, nomeadamente a visão cololnialista (a do "primitivo actual") e a própria ideia da guerra na pré-história não é por acaso que se desenvolve na década de 30 quando a Europa vivia uma escalada bélica entre estados autárcicos. Agora promove-se a pré-história (megalitismo,Idade do Bronze, etc) como inicio da unidade europeia. Outros tempos...