(rep. aut.)
Fonte: http://www.jfphotography.net/
há já muitos anos que a cultura, consciente da sua nudez e precaridade, procura o património, busca o sólido que o passado nos deixou, tão central na nossa realidade que jamais o víamos, dando-o como que adquirido, como natural.
a cultura conjuga-se em geral no feminino, segundo uma tradição, e toda a tradição a si própria se define sempre como longa, muito antiga, legitimada por mitos que sobem com as brumas e têm nomes em grego e em latim, que se escrevem em lápides e códices - quer dizer, possui um toque de nobreza.
e a nobreza jamais se ostenta, apenas se tem, e se dá a ver num aceno, ao longe, por detrás de uma cortina, na janela entreaberta de um palácio.
a cultura é coisa de plebeus à procura de um nome, de uma tradição, de uma genealogia. por isso se acerca ansiosa de antigas catedrais e castelos, claustros e muros, porque tudo o que é antigo é por definição distinto do vulgar, tem ainda um halo de sacralidade, confere um algo-mais.
e por esse algo-mais, sabemos da história, multidões inteiras deixaram-se arrastar para abismos, num entontecimento superior ao do ouro, ao do sexo, ou ao da crença.
o património está no meio do campo, esquecido no silêncio, escondido na cidade: é preciso é sabê-lo ver, procurá-lo despido de preconceitos, olhar de uma forma diferente.
quem se acerca dele são os passos do silêncio, que repetem os do criador, e os dos milhares de homens e mulheres que ergueram os arcos, amassaram os ligantes, rebocaram os muros, emprestaram séculos de devoção à minúcia das artes, à delicadeza de mãos, ao bordado do esquecimento, ao traço leve dos arquitectos.
voj 2007
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