quarta-feira, 9 de maio de 2007

interpelação da primeira à segunda pessoa do singular

habitar uma casa grande antiga, de madeira, perto do mar. vir de dentro de uma atmosfera de dennis hopper. e ficar ali, entre as sombras de um passado desdobrado para trás e as sombras que continuamente dobram as ondas para a frente. como a casa, incólume. nessa eternidade. pensando que os teus olhos hão-de aparecer um dia. seja na cave, para onde se desce há muitos séculos, consumido pelo tempo a cada degrau; seja no horizonte onde as tuas pupilas observam desde sempre a paisagem, esperando por qualquer gesto meu.
tu, eu - sonhei isto, esta (in)coincidência, há muito, muito tempo, quando tirava a areia dos pés para calçar os sapatos e seguir as sombras que me davam de comer, que me diziam o que fazer, que acendiam a luz e me traçavam os caminhos das vidas que desejavam que eu tivesse.
mas eu só te quis a ti, numa obstinação total. e fiquei aqui parado, hesitante, sem saber para que lado da noite devo prosseguir: se para dentro, cada vez mais dentro da casa, se pelo mar fora, lentamente, até não poder já respirar.
isto é, deixando ao areal e à casa finalmente aquilo para que parece terem sido predestinados: tomarem conta da situação, permitindo ao mundo ser um quadro, deixando à gramática e às conjugações dos verbos as suas infindas possibilidades - as quais este encontro de um eu e um tu, real ou imaginado, apenas se limitou a atrasar.
sim, que a maresia e o iodo subam e se confundam com os teus olhos; que eles diluam o meu corpo na tua expectativa; e que este Inominável que me trouxe aqui se desfaça em pegadas na praia: areais onde os traços de pessoas em larga medida ultrapassam a memória possível.
é isso talvez que nos recordam as ondas, na sua persistência: parecendo continuamente aspirar, para logo voltarem a regorgitar, nos seus movimentos de vai-vém, nos seus sons repetidos, na sua própria espuma, a (im)possibilidade de um eu e de um tu aqui alguma vez se encontrarem.

voj copyright 2007

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