terça-feira, 1 de maio de 2007

Desejo(s)


Uma pessoa quer ter uma formação, saber fazer bem qualquer coisa. Uma pessoa quer ter um emprego, não apenas um salário, mas uma ligação à comunidade - o que tem a ver, é claro, com a sua identidade, com o sentido de pertença. Uma pessoa quer ter estabilidade na sua actividade e nas suas relações com os outros, quer dizer, por muito que mude de tarefa e de sítio não pode fragmentar-se em milhares de objectivos e de itinerâncias. Uma pessoa quer ser reconhecida. Ter uma vida minimamente segura, com sentido de continuidade, e se possível livrar-se de doenças, de gente maluca, de problemas inúteis e de traumas evitáveis.
Ora bem, esse "trajecto" ideal é qualquer coisa de extremamente improvável, sobretudo na sociedade em que vivemos.
Mas mesmo depois de ter estabilidade e reconhecimento, o desejo da pessoa nunca pára. A pessoa, qualquer que seja a sua idade, precisa de fantasias que estruturem a sua realidade; sabendo nós que o desejo nunca se concretiza, porque o desejo é em última análise o desejo do que o Outro espera de nós, e o que o Outro espera de nós nem mesmo "ele" o sabe, etc. Ou seja, viver é mesmo complicado.
Facilita um pouco, para perceber alguma coisa, por exemplo, incorporar o que Lacan diz das várias categorias da experiência: o imaginário, a ordem simbólica que o sustenta, e o real, que é o impossível, o inimaginável.

Como resume McGowan no livro sobre Lynch (ver postagem de hoje, p. 25): " O real não é a realidade mas a incapacidade de tudo poder ser explicado pela ordem simbólica.(...) O que é impossível na ordem simbólica torna-se atingível no real."

Para o autor, é aqui que reside o fascínio dos filmes de Lynch: eles "põem em causa a estrutura simbólica reinante, forçando-nos a ver possibilidades onde estamos habituados a ver impossibilidades." (ib.)
Subscrevo.

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