Sim, nesta sociedade é inevitável, mas muita gente ainda não percebeu isso. É claro que uma coisa é o mediatizável, que é até uma obrigação cívica, outra é transformar a arqueologia num produto de baixa qualidade apenas para continuarmos a enganar-nos a nós próprios... dizendo que fazemos arqueologia quando, na verdade, talvez já o não seja! Em muitos casos não é, de facto. Mas neste caso de Stonehenge os nossos colegas britânicos,felizmente, usufruem de condições muito boas, aliás compreensíveis dada a sua posição académica e o facto de Stonehenge ser um dos logotipos do Reino Unido. Estamos a anos luz de tal situação, em Portugal!
Há o engano de misturar três conceitos como eles viessem encadeados. Uma arqueologia mediatizada não significa forçosamente uma arqueologia prática e muito menos uma arqueologia comercial. Começando pela arqueologia prática. Não sei muito bem o que é. Se é uma distinção perante uma arqueologia teórica, o conceito caí absolutamente por terra, pois essa é uma falsa dicotomia. Basta ver o que a nossa equipa faz. Alguma vez poderia ser diferenciado entre teórico e prático? Depois a arqueologia comercial. A sociedade capitalista tende a transformar tudo num produto vendível (o inglês "commodity"). Trata-se de uma não compreensão dos termos. Há uma diferença entre um Bem e um produto (no sentido "commodity"). Passa pela noção de valor. O Bem é exactamente o que o conceito expressa, algo que é bom para os que com ele contactam. É esse o caminho que penso a arqueologia deve tomar. O caminho do Bem, nomeadamente do Bem-comum. Problematizando, conceptualizando, reflectindo. O caminho do produto (do "commodity") é o caminho que vai dar ao baixo preço, baixo valor, baixa qualidade. Por isso é que sei que há coisas que não se compram e vendem, nem seguem as regras do mercado. Quanto à sustentabilidade da arqueologia, ela passa por trabalhos sérios, que procurem uma lógica de Bem face a uma lógica de comercialização. Essa é a lógica da qualidade.
Creio que o Gonçalo acabou por cair numa dicotomia...Jean Baudrillard,ao tratar já nos anos 70 da economia política so signo, tinha mostrado essa generalização do mercado à totalidade da realidade e do valor, sendo que "a distinção" no consumo generalizado opera sempre no sentido de distinguir novos tipos de classes sociais, neste caso, as que praticam e consomem uma "arqueologia intelectual", refinada, e as que praticam e consomem uma arqueologia banal (para não dizer boçal), isolada dos parceiros sociais por ser subordinada aos interesses da construção e culturalmente invisível nos círculos de elite onde até nem se arrisca a entrar. É contra esse elitismo que temos de lutar, defendendo a visibilidade (o estatuto "cultural") da arqueologia e, concomitantemente, a acessibilidade dos seus bons produtos (a começar pelo ensino) relativamente a uma cada vez mais alargada faixa de pessoas.Infelizmente, e como se passa no resto, a maioria da população não tem condições para sair (ou mesmo desejar, imaginar sair) de um certo primarismo de gostos, embora possa ser um paternalismo elitista andar a querer impor gostos aos outros. Também aqui há muito boas intenções ... mas a realidade é uma espécie de inferno. A arqueologia não tem ainda estatuto em Portugal, nem cultural, nem político, nem de espécie alguma. É contra isso que temos de lutar, e de ampliar os que estão empenhados nessa frente de luta por uma arqueologia... não arqueológica! Cada professor, cada pessoa pode ir fazendo a diferença em relação aos mais novos ou à indiferença dos "decisores"...
Não é nenhuma dicotomia. Aliás nem sequer acredito na existência dessa dicotomia entre a arqueologia intelectual e a arqueologia banal. Existem bem mais arqueologias. Tal como não existe apenas os bens e os produtos. Existe sim a compreensão de que (como Baudrillard afirma) vivemos numa sociedade de signos, que no fundo é a sociedade dos bens. Porque são bens? Porque as pessoas associam a eles uma imagem positiva e é a partir dessa imagem que o consumo se desenrola. É a lei do Desejo. Agora o que importa a quem tem a capacidade de determinar os bens (e é essa a forma de poder que cabe a cada um) é construir de facto um Bem maior que trata do que é comum e que constrói uma identidade mais plural, mais diversa e mais democrática. Sem recriminações, nem ideia de "camadas populares" que no fundo são o reflexo da ideia, essa sim dicotómica, da elite e do povo. O mais irónico é que é a burguesia que constrói este discurso na sua ascensão ao poder, servindo naturalmente o interesse de uma aristocracia. Um arqueologia comercial viveria sempre restringida à noção da mais-valia, não compreendendo que já não vivemos numa sociedade mercantilista. Nós vivemos numa sociedade de consumo dominada pelos bens, pela imagem, pelo desejo. Note-se que não se trata de uma dicotomia entre sociedade mercantilista/sociedade de consumo. Estes termos não se antagonizam e existem outros tipos de sociedade. O que se passa é que após a Revolução Industrial mudámos (não evoluímos, mudámos) e cada vez mais vivemos numa sociedade do símbolo (tal como Baudrillard expôs). Como é uma sociedade capitalista é óbvio que o símbolo se torna algo comerciável, mas é justamente aqui que se coloca a questão: até que ponto tudo se vende e tudo se compra? E mais ainda até que ponto pactuamos com isso. Não será tempo de recuperar a noção de um Bem comum? Algo que se levanta acima do mercado, mas que interage com esse mesmo mercado? As noções não têm de ser antagónicas.
6 comentários:
É preciso que a arqueologia também tome uma perspectiva comercial/ prática/ mediatizável, para que possa ser mais facilmente sustentada.
Sim, nesta sociedade é inevitável, mas muita gente ainda não percebeu isso. É claro que uma coisa é o mediatizável, que é até uma obrigação cívica, outra é transformar a arqueologia num produto de baixa qualidade apenas para continuarmos a enganar-nos a nós próprios... dizendo que fazemos arqueologia quando, na verdade, talvez já o não seja! Em muitos casos não é, de facto.
Mas neste caso de Stonehenge os nossos colegas britânicos,felizmente, usufruem de condições muito boas, aliás compreensíveis dada a sua posição académica e o facto de Stonehenge ser um dos logotipos do Reino Unido. Estamos a anos luz de tal situação, em Portugal!
Há o engano de misturar três conceitos como eles viessem encadeados.
Uma arqueologia mediatizada não significa forçosamente uma arqueologia prática e muito menos uma arqueologia comercial.
Começando pela arqueologia prática. Não sei muito bem o que é. Se é uma distinção perante uma arqueologia teórica, o conceito caí absolutamente por terra, pois essa é uma falsa dicotomia. Basta ver o que a nossa equipa faz. Alguma vez poderia ser diferenciado entre teórico e prático?
Depois a arqueologia comercial. A sociedade capitalista tende a transformar tudo num produto vendível (o inglês "commodity"). Trata-se de uma não compreensão dos termos. Há uma diferença entre um Bem e um produto (no sentido "commodity"). Passa pela noção de valor. O Bem é exactamente o que o conceito expressa, algo que é bom para os que com ele contactam. É esse o caminho que penso a arqueologia deve tomar. O caminho do Bem, nomeadamente do Bem-comum. Problematizando, conceptualizando, reflectindo.
O caminho do produto (do "commodity") é o caminho que vai dar ao baixo preço, baixo valor, baixa qualidade. Por isso é que sei que há coisas que não se compram e vendem, nem seguem as regras do mercado.
Quanto à sustentabilidade da arqueologia, ela passa por trabalhos sérios, que procurem uma lógica de Bem face a uma lógica de comercialização. Essa é a lógica da qualidade.
Creio que o Gonçalo acabou por cair numa dicotomia...Jean Baudrillard,ao tratar já nos anos 70 da economia política so signo, tinha mostrado essa generalização do mercado à totalidade da realidade e do valor, sendo que "a distinção" no consumo generalizado opera sempre no sentido de distinguir novos tipos de classes sociais, neste caso, as que praticam e consomem uma "arqueologia intelectual", refinada, e as que praticam e consomem uma arqueologia banal (para não dizer boçal), isolada dos parceiros sociais por ser subordinada aos interesses da construção e culturalmente invisível nos círculos de elite onde até nem se arrisca a entrar. É contra esse elitismo que temos de lutar, defendendo a visibilidade (o estatuto "cultural") da arqueologia e, concomitantemente, a acessibilidade dos seus bons produtos (a começar pelo ensino) relativamente a uma cada vez mais alargada faixa de pessoas.Infelizmente, e como se passa no resto, a maioria da população não tem condições para sair (ou mesmo desejar, imaginar sair) de um certo primarismo de gostos, embora possa ser um paternalismo elitista andar a querer impor gostos aos outros. Também aqui há muito boas intenções ... mas a realidade é uma espécie de inferno. A arqueologia não tem ainda estatuto em Portugal, nem cultural, nem político, nem de espécie alguma. É contra isso que temos de lutar, e de ampliar os que estão empenhados nessa frente de luta por uma arqueologia... não arqueológica! Cada professor, cada pessoa pode ir fazendo a diferença em relação aos mais novos ou à indiferença dos "decisores"...
Não é nenhuma dicotomia. Aliás nem sequer acredito na existência dessa dicotomia entre a arqueologia intelectual e a arqueologia banal. Existem bem mais arqueologias. Tal como não existe apenas os bens e os produtos. Existe sim a compreensão de que (como Baudrillard afirma) vivemos numa sociedade de signos, que no fundo é a sociedade dos bens. Porque são bens? Porque as pessoas associam a eles uma imagem positiva e é a partir dessa imagem que o consumo se desenrola. É a lei do Desejo.
Agora o que importa a quem tem a capacidade de determinar os bens (e é essa a forma de poder que cabe a cada um) é construir de facto um Bem maior que trata do que é comum e que constrói uma identidade mais plural, mais diversa e mais democrática. Sem recriminações, nem ideia de "camadas populares" que no fundo são o reflexo da ideia, essa sim dicotómica, da elite e do povo. O mais irónico é que é a burguesia que constrói este discurso na sua ascensão ao poder, servindo naturalmente o interesse de uma aristocracia.
Um arqueologia comercial viveria sempre restringida à noção da mais-valia, não compreendendo que já não vivemos numa sociedade mercantilista. Nós vivemos numa sociedade de consumo dominada pelos bens, pela imagem, pelo desejo.
Note-se que não se trata de uma dicotomia entre sociedade mercantilista/sociedade de consumo. Estes termos não se antagonizam e existem outros tipos de sociedade. O que se passa é que após a Revolução Industrial mudámos (não evoluímos, mudámos) e cada vez mais vivemos numa sociedade do símbolo (tal como Baudrillard expôs). Como é uma sociedade capitalista é óbvio que o símbolo se torna algo comerciável, mas é justamente aqui que se coloca a questão: até que ponto tudo se vende e tudo se compra? E mais ainda até que ponto pactuamos com isso. Não será tempo de recuperar a noção de um Bem comum? Algo que se levanta acima do mercado, mas que interage com esse mesmo mercado? As noções não têm de ser antagónicas.
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