Nasci em Lisboa, em Janeiro de 1948.
Fui para a escola pré-primária (perto do Jardim da Estrela) numa manhã enevoada de 1952. Mal eu podia adivinhar que estava a entrar num "sistema" em que viveria para o resto da minha vida...
Formei-me em História na Faculdade de Letras em 1972.
Comecei a dar aulas no ano lectivo de 1972/73.
Vim viver para o Porto e trabalhar na arqueologia do Norte em Janeiro de 1975.
Doutorei-me em 1982.
Obtive o título de agregado em 1989, e assumi funções de professor catedrático da FLUP em Maio de 1990.
Continuo a fazer exclusivamente o que sempre fiz, com prazer: escrever, dar aulas, realizar escavações, fazer palestras e "apresentações", organizar situações de encontro e de debate, coordenar jovens.
Apesar das infinitas limitações, sinto que me posso intitular arqueólogo e poeta, sem pretensão excessiva, depois do que publiquei.
Quando "olho para trás", vejo o ano de 1969 (curiosamente, foi o ano em que atingi a maturidade legal, que nessa altura era aos 21 anos) como o grande corte entre uma espécie de despreocupação juvenil em que até então vivia, e uma espiral de trabalho em que até hoje me vi envolvido, por necessidade e gosto.
Grandes etapas, para além daquela espécie de falha geológica que atravessa toda a minha vida, porque me distanciou definitivamente da infância?...
Talvez 1970/72, quando conheci a pessoa com quem casei, e que tive a sorte de ser até hoje a minha interlocutora, apesar de tantas dificuldades e obstáculos...
Sem dúvida 1974, quando acordámos todos para a liberdade. Uma comoção e alegria e tremor de terra profundíssimos, impossíveis de imaginar pelas gerações que o não viveram.
1990, quando finalmente pude respirar em termos académicos, por não ter de me preocupar mais com correrias administrativas e cumprimento estrito de prazos, questão que - et pour cause - sempre antepus a todas as outras...
1995/96, quando salvámos o complexo do Côa e logo a seguir percebi que tão depressa não haveria em Portugal nenhuma mudança estrutural em arqueologia (não há, como se dizia dantes em certa gíria, "condições objectivas" para tal). O que se assistiu foi ao aumento da concorrência universitária, à criação de empresas, e a algumas acções pontuais por parte do Estado, incapaz de ultrapassar (nestes e noutros aspectos) a terrível herança que a era salazarista nos deixou, e de que continuamos a sentir as ondas de choque... é um problema de muitos outros sectores, e de que se não pode "culpar" ninguém.
Daí para diante fiquei bem ciente de só poderia confiar nas minhas forças e nas dos meus colaboradores. Já não é mau, saber com o que se conta.
2001, em que pela primeira vez vi reconhecido publicamente pelo Estado o meu esforço.
1969 - sim, talvez tenha sido aí que tudo começou...
Estes balanços são sempre exercícios narcísicos e precários... porquê explicitá-los (no que para alguns, já sei muitíssimo bem, é um acto de despudor) ? Porque (talvez ingénuo até à morte) continuo a acreditar que o problema humano fundamental é o da compreensão mútua, o da aceitação do outro.
Mas se esse outro que eu sou se não explica, se não se auto-avalia, se não é um ser de projecto, e de projecto partilhado, se não deixa pelos menos as marcas para que outros o possam avaliar mais tarde, como poderá mesmo agora, quando está vivo e lúcido, querer encontrar pessoas interessantes, realmente interessantes, com quem conviver? Que razões terá alguém para me aturar, se eu não fizer, não pensar, não comunicar, não publicitar, nada de jeito?! É um problema básico, preliminar, de auto-estima. Ora, primeiro que se chegue lá é preciso gastar muita sola, superar muitas inibições, correr muitos riscos, ter alguma sorte... embora com força de vontade e uma certa indiferença à indiferença (acentuo este ponto) se consiga muito mais do que parece.
O próprio "atraso" de Portugal, dando lugar a vícios que não vou desenvolver aqui, é uma oportunidade... e o facto de sermos um país periférico pode ser transformado em múltiplas oportunidades. Está quase tudo por fazer! Não podemos é ser demasiado ingénuos: temos de nos lançar a um esforço ENORME, infatigável. É preciso saúde, a coisa não está para fraquinhos... é uma luta que nos impuseram, um mundo de concorrência diametralmente oposto ao universo fraterno com que sonhámos...
Há que avançar perdendo medos, sem contemplações com a mediania, embora sem desrespeitar ninguém, porque muitas pessoas não fizeram mais porque não puderam mesmo; foram trituradas, foram e estão a ser excluídas. E também nem todas as pessoas, por mais que se esforcem, conseguem graus de auto-realização que seriam desejáveis, para sua felicidade. Deixam-se enganar facilmente, porque não ganharam defesas, pela sociedade de mercado e de aparências em que vivemos.
Por isso em mim o pensamento, a palavra, e a comunicação são necessidades prementes, interconectadas. Há que romper o silêncio e a inacção, sem nunca ir para além de um campo balizado por certo número de normas éticas que se vão interiorizando no convívio com os outros. É muito difícil equilibrar tolerância e intolerância, isto é, viver em desequilíbrio, em tensão. As pessoas mentalmente doentes (refiro-me a muitas patologias "invisíveis" mas muitíssimo frequentes) ou acomodadas fogem disso como o diabo da cruz. Não querem questões nem problemas nem problematizações; fora do trabalho querem é "entertainment"... centro comercial, telenovela/futebol, feriazinhas e escapadelas, enfim, pequenas manhas. Vivem numa teia de pequenas manhas, de pequenos artifícios para aguentar a pressão ou para conseguirem progredir (ou pelo menos "ir andando") sem esforço! É uma péssima educação, infelizmente, aquela que não soube conjugar um sentido de abertura, de diálogo, de inter-ajuda, de carinho, com uma noção de responsabilidade colectiva e de sacrifício pessoal, sem o qual não se faz absolutamente nada que mereço o respeito alheio. Ora, sentirmo-nos rodeados de um certo respeito dos outros, sentirmos que cumprimos o melhor que pudemos - e de acordo com as nossas peculiares capacidades - o nosso dever, é fundamental! Eu creio que o nosso dever fundamental é, ao mesmo tempo que procuramos a nossa auto-realização pessoal, criar condições de partilha, não das mesmas coisas, mas de possibilidades de escolha por forma a cada um dar o seu melhor. É claro que enunciar estes princípios é facílissimo, eles são consensuais... o problema é evidentemente passá-los à prática.
Outras pessoas constituem uma elite social muito auto-protegida, com regalias imensas, e extramente fechada à "penetração" de indivíduos que não façam parte da "família" e queiram pensar por si. Há uma verdadeira aristocracia do dinheiro, da tecnocracia e do saber que se torna preocupante. Controla praticamente o(s) país(es), e às vezes até com o seu arzinho progressista. Ora, ter todos os confortos e ainda ser reivindicativo, é uma actividade maravilhosa, faço-me entender!
Habituado a olhar para "vestígios", vivo criando com alguma emoção outros "vestígios" ... e tenho a impressão de que, com persistência tenaz, terei (esses "vestígios que ficarão cá por mim...) acabado por "valer a pena", em jeito de "balanço" tão tipicamente cristão e ocidental.
Para concluir: preferia morrer a ter uma vida organizada e confortável de tipo burguês. Nisso, os meus ideais de juventude mantêm-se intransigentemente. Sonambulismo, não. Auto-comprazimento, não.
Aluno eterno, sim, correndo para as livrarias, para as conferências, para os museus, para as lojas de discos, para os concertos e cinemas quando posso, e para o campo, aprendendo a mexer nas máquinas, tentando, como neste blog, fazer algo que influencie um pouco o pequeno círculo dos meus interlocutores.
Consciência de uma ignorância e de uma limitação infindas, que apenas pretendo que me não paralisem.
Talvez um jardim seja para mim o símbolo da perfeição. Tenho muita pena de não poder ter um, nem saber o suficiente de botânica. Por alguma razão todas as grandes civilizações se expressaram em jardins, na sua imensa diversidade.
Ou então um claustro, com o seu poço ao centro, o seu rumor de águas, os seus olhares de capitéis. Ou uma Plaza Mayor em Espanha, como a de Salamanca, como se fosse um mundo amparado pelo abraço das arcarias, nos quatros lados. A harmonia.
Ali sim, sentar-me numa esplanada e ver o mundo a passar, descansando finalmente, e se possível com um livro recém comprado, para ler mais tarde, sobre a mesa...!
Et voilà. Eis a crónica simples de um "brave type".
Fui para a escola pré-primária (perto do Jardim da Estrela) numa manhã enevoada de 1952. Mal eu podia adivinhar que estava a entrar num "sistema" em que viveria para o resto da minha vida...
Formei-me em História na Faculdade de Letras em 1972.
Comecei a dar aulas no ano lectivo de 1972/73.
Vim viver para o Porto e trabalhar na arqueologia do Norte em Janeiro de 1975.
Doutorei-me em 1982.
Obtive o título de agregado em 1989, e assumi funções de professor catedrático da FLUP em Maio de 1990.
Continuo a fazer exclusivamente o que sempre fiz, com prazer: escrever, dar aulas, realizar escavações, fazer palestras e "apresentações", organizar situações de encontro e de debate, coordenar jovens.
Apesar das infinitas limitações, sinto que me posso intitular arqueólogo e poeta, sem pretensão excessiva, depois do que publiquei.
Quando "olho para trás", vejo o ano de 1969 (curiosamente, foi o ano em que atingi a maturidade legal, que nessa altura era aos 21 anos) como o grande corte entre uma espécie de despreocupação juvenil em que até então vivia, e uma espiral de trabalho em que até hoje me vi envolvido, por necessidade e gosto.
Grandes etapas, para além daquela espécie de falha geológica que atravessa toda a minha vida, porque me distanciou definitivamente da infância?...
Talvez 1970/72, quando conheci a pessoa com quem casei, e que tive a sorte de ser até hoje a minha interlocutora, apesar de tantas dificuldades e obstáculos...
Sem dúvida 1974, quando acordámos todos para a liberdade. Uma comoção e alegria e tremor de terra profundíssimos, impossíveis de imaginar pelas gerações que o não viveram.
1990, quando finalmente pude respirar em termos académicos, por não ter de me preocupar mais com correrias administrativas e cumprimento estrito de prazos, questão que - et pour cause - sempre antepus a todas as outras...
1995/96, quando salvámos o complexo do Côa e logo a seguir percebi que tão depressa não haveria em Portugal nenhuma mudança estrutural em arqueologia (não há, como se dizia dantes em certa gíria, "condições objectivas" para tal). O que se assistiu foi ao aumento da concorrência universitária, à criação de empresas, e a algumas acções pontuais por parte do Estado, incapaz de ultrapassar (nestes e noutros aspectos) a terrível herança que a era salazarista nos deixou, e de que continuamos a sentir as ondas de choque... é um problema de muitos outros sectores, e de que se não pode "culpar" ninguém.
Daí para diante fiquei bem ciente de só poderia confiar nas minhas forças e nas dos meus colaboradores. Já não é mau, saber com o que se conta.
2001, em que pela primeira vez vi reconhecido publicamente pelo Estado o meu esforço.
1969 - sim, talvez tenha sido aí que tudo começou...
Estes balanços são sempre exercícios narcísicos e precários... porquê explicitá-los (no que para alguns, já sei muitíssimo bem, é um acto de despudor) ? Porque (talvez ingénuo até à morte) continuo a acreditar que o problema humano fundamental é o da compreensão mútua, o da aceitação do outro.
Mas se esse outro que eu sou se não explica, se não se auto-avalia, se não é um ser de projecto, e de projecto partilhado, se não deixa pelos menos as marcas para que outros o possam avaliar mais tarde, como poderá mesmo agora, quando está vivo e lúcido, querer encontrar pessoas interessantes, realmente interessantes, com quem conviver? Que razões terá alguém para me aturar, se eu não fizer, não pensar, não comunicar, não publicitar, nada de jeito?! É um problema básico, preliminar, de auto-estima. Ora, primeiro que se chegue lá é preciso gastar muita sola, superar muitas inibições, correr muitos riscos, ter alguma sorte... embora com força de vontade e uma certa indiferença à indiferença (acentuo este ponto) se consiga muito mais do que parece.
O próprio "atraso" de Portugal, dando lugar a vícios que não vou desenvolver aqui, é uma oportunidade... e o facto de sermos um país periférico pode ser transformado em múltiplas oportunidades. Está quase tudo por fazer! Não podemos é ser demasiado ingénuos: temos de nos lançar a um esforço ENORME, infatigável. É preciso saúde, a coisa não está para fraquinhos... é uma luta que nos impuseram, um mundo de concorrência diametralmente oposto ao universo fraterno com que sonhámos...
Há que avançar perdendo medos, sem contemplações com a mediania, embora sem desrespeitar ninguém, porque muitas pessoas não fizeram mais porque não puderam mesmo; foram trituradas, foram e estão a ser excluídas. E também nem todas as pessoas, por mais que se esforcem, conseguem graus de auto-realização que seriam desejáveis, para sua felicidade. Deixam-se enganar facilmente, porque não ganharam defesas, pela sociedade de mercado e de aparências em que vivemos.
Por isso em mim o pensamento, a palavra, e a comunicação são necessidades prementes, interconectadas. Há que romper o silêncio e a inacção, sem nunca ir para além de um campo balizado por certo número de normas éticas que se vão interiorizando no convívio com os outros. É muito difícil equilibrar tolerância e intolerância, isto é, viver em desequilíbrio, em tensão. As pessoas mentalmente doentes (refiro-me a muitas patologias "invisíveis" mas muitíssimo frequentes) ou acomodadas fogem disso como o diabo da cruz. Não querem questões nem problemas nem problematizações; fora do trabalho querem é "entertainment"... centro comercial, telenovela/futebol, feriazinhas e escapadelas, enfim, pequenas manhas. Vivem numa teia de pequenas manhas, de pequenos artifícios para aguentar a pressão ou para conseguirem progredir (ou pelo menos "ir andando") sem esforço! É uma péssima educação, infelizmente, aquela que não soube conjugar um sentido de abertura, de diálogo, de inter-ajuda, de carinho, com uma noção de responsabilidade colectiva e de sacrifício pessoal, sem o qual não se faz absolutamente nada que mereço o respeito alheio. Ora, sentirmo-nos rodeados de um certo respeito dos outros, sentirmos que cumprimos o melhor que pudemos - e de acordo com as nossas peculiares capacidades - o nosso dever, é fundamental! Eu creio que o nosso dever fundamental é, ao mesmo tempo que procuramos a nossa auto-realização pessoal, criar condições de partilha, não das mesmas coisas, mas de possibilidades de escolha por forma a cada um dar o seu melhor. É claro que enunciar estes princípios é facílissimo, eles são consensuais... o problema é evidentemente passá-los à prática.
Outras pessoas constituem uma elite social muito auto-protegida, com regalias imensas, e extramente fechada à "penetração" de indivíduos que não façam parte da "família" e queiram pensar por si. Há uma verdadeira aristocracia do dinheiro, da tecnocracia e do saber que se torna preocupante. Controla praticamente o(s) país(es), e às vezes até com o seu arzinho progressista. Ora, ter todos os confortos e ainda ser reivindicativo, é uma actividade maravilhosa, faço-me entender!
Habituado a olhar para "vestígios", vivo criando com alguma emoção outros "vestígios" ... e tenho a impressão de que, com persistência tenaz, terei (esses "vestígios que ficarão cá por mim...) acabado por "valer a pena", em jeito de "balanço" tão tipicamente cristão e ocidental.
Para concluir: preferia morrer a ter uma vida organizada e confortável de tipo burguês. Nisso, os meus ideais de juventude mantêm-se intransigentemente. Sonambulismo, não. Auto-comprazimento, não.
Aluno eterno, sim, correndo para as livrarias, para as conferências, para os museus, para as lojas de discos, para os concertos e cinemas quando posso, e para o campo, aprendendo a mexer nas máquinas, tentando, como neste blog, fazer algo que influencie um pouco o pequeno círculo dos meus interlocutores.
Consciência de uma ignorância e de uma limitação infindas, que apenas pretendo que me não paralisem.
Talvez um jardim seja para mim o símbolo da perfeição. Tenho muita pena de não poder ter um, nem saber o suficiente de botânica. Por alguma razão todas as grandes civilizações se expressaram em jardins, na sua imensa diversidade.
Ou então um claustro, com o seu poço ao centro, o seu rumor de águas, os seus olhares de capitéis. Ou uma Plaza Mayor em Espanha, como a de Salamanca, como se fosse um mundo amparado pelo abraço das arcarias, nos quatros lados. A harmonia.
Ali sim, sentar-me numa esplanada e ver o mundo a passar, descansando finalmente, e se possível com um livro recém comprado, para ler mais tarde, sobre a mesa...!
Et voilà. Eis a crónica simples de um "brave type".
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