os arqueólogos mentem.
não existe qualquer vale dos reis enxameado dos túmulos daqueles que já foram deuses na terra, nem outras maravilhas desse género.
tudo isso são apenas banalidades necessárias ao preenchimento do vazio, versões baratas do fantástico (campo totalmente exaurido), inventadas para os turistas que todos os dias descem em autocarros (em camionetas, como se dizia dantes) e compram postais, gelados, figuras faraónicas de imitação de alabastro para porem em casa enquanto os cães não as deitam ao chão e despedaçam, como as fotografias dos filhos mortos na guerra sobre o aparelho de televisão.
antigamente dizia-se que havia um único túmulo inviolado no mundo, esse sim, escavado na rocha negra durante centenas de metros, numa rampa descendente que se percorria entre estrelas. estava literalmente coberto por hieróglifos brancos, indecifráveis. tinha como único espólio um colar de lápiz-lazúli que uma luz pontual, eterna, fazia brilhar na perenidade do santíssimo. mas nunca ninguém o viu porque está paredes-meias entre este mundo, o do visível, e o outro mundo, o da invisibilidade. e assim ficou para que nos quedássemos para sempre, como crianças, no estado da suspeita e da adivinha, que é como quem diz, na vida, e no seu jogo irrequieto de cartas enfadonhas atiradas para a mesa de todos os dias.
há muito mais mentiras no mundo, mas tem de se começar por algum lado. não é verdade que à nossa volta os sons polvilham a atmosfera e só raramente nos chega uma nota de música verdadeiramente digna de escuta? isso significa que o ambiente pára, como se o seu pescoço esbelto apenas precisasse de um colar feito de lápiz-lazuli. é pela mesma razão que se aprecia tanto a nudez: porque ela é a única capaz de aguentar um colar.
e quem não achar “poesia” no que se diz aqui, e estiver à espera do que muitas vezes, com inegável habilidade, se escreve sob tal nome, que se desengane:
o que esta mão procura não é harmonia, não é beleza, nem sequer sublime. ela apenas mexe, não consegue estar parada. talvez do que os dedos tenham saudade é de uma jóia, de uma pedra brilhante e pura, de um ovo que possam apertar, tentar esmigalhar como quem se agarra à trave-mestra do universo e a abana, fazendo cair estrelas e demónios.
não se pode estar parado, eis tudo, enquanto não se tem a sorte de se pisar o pedaço de chão certo, de encontrar o sitio onde se é de novo sorvido pela terra.
terra essa, acrescente-se, que nunca deveria ter deixado sair do túmulo aqueles que se vêm obrigados a sentir na epiderme a náusea do contacto com a atmosfera, o devir infernal das sensações, o ardor dos torturados a quem retiraram a pele.
copyright voj
não existe qualquer vale dos reis enxameado dos túmulos daqueles que já foram deuses na terra, nem outras maravilhas desse género.
tudo isso são apenas banalidades necessárias ao preenchimento do vazio, versões baratas do fantástico (campo totalmente exaurido), inventadas para os turistas que todos os dias descem em autocarros (em camionetas, como se dizia dantes) e compram postais, gelados, figuras faraónicas de imitação de alabastro para porem em casa enquanto os cães não as deitam ao chão e despedaçam, como as fotografias dos filhos mortos na guerra sobre o aparelho de televisão.
antigamente dizia-se que havia um único túmulo inviolado no mundo, esse sim, escavado na rocha negra durante centenas de metros, numa rampa descendente que se percorria entre estrelas. estava literalmente coberto por hieróglifos brancos, indecifráveis. tinha como único espólio um colar de lápiz-lazúli que uma luz pontual, eterna, fazia brilhar na perenidade do santíssimo. mas nunca ninguém o viu porque está paredes-meias entre este mundo, o do visível, e o outro mundo, o da invisibilidade. e assim ficou para que nos quedássemos para sempre, como crianças, no estado da suspeita e da adivinha, que é como quem diz, na vida, e no seu jogo irrequieto de cartas enfadonhas atiradas para a mesa de todos os dias.
há muito mais mentiras no mundo, mas tem de se começar por algum lado. não é verdade que à nossa volta os sons polvilham a atmosfera e só raramente nos chega uma nota de música verdadeiramente digna de escuta? isso significa que o ambiente pára, como se o seu pescoço esbelto apenas precisasse de um colar feito de lápiz-lazuli. é pela mesma razão que se aprecia tanto a nudez: porque ela é a única capaz de aguentar um colar.
e quem não achar “poesia” no que se diz aqui, e estiver à espera do que muitas vezes, com inegável habilidade, se escreve sob tal nome, que se desengane:
o que esta mão procura não é harmonia, não é beleza, nem sequer sublime. ela apenas mexe, não consegue estar parada. talvez do que os dedos tenham saudade é de uma jóia, de uma pedra brilhante e pura, de um ovo que possam apertar, tentar esmigalhar como quem se agarra à trave-mestra do universo e a abana, fazendo cair estrelas e demónios.
não se pode estar parado, eis tudo, enquanto não se tem a sorte de se pisar o pedaço de chão certo, de encontrar o sitio onde se é de novo sorvido pela terra.
terra essa, acrescente-se, que nunca deveria ter deixado sair do túmulo aqueles que se vêm obrigados a sentir na epiderme a náusea do contacto com a atmosfera, o devir infernal das sensações, o ardor dos torturados a quem retiraram a pele.
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