quarta-feira, 19 de setembro de 2007

música


A música escolhida para este blogue através do you tube, bem como os pequenos fragmentos de videos que se conseguem importar, só muito longinquamente reflectem o gosto do autor (falo por mim) do blogue. É o que há, raramente se encontrando, sobretudo em música dita clássica, a obra de que realmente se gosta - a qual, como se sabe, depende muitíssimo da interpretação. A música está em constante transfiguração e o acesso actual a CDs muito diversificados existentes no mercado (sobretudo nas FNAC Musique de Paris e sítios que tais, porque cá a variedade ainda é miseravelmente pouca) veio consolidar isso, que era a experiência dos frequentadores de concertos. O que eu, por motivos profissionais, fui sempre em muito pequena escala...
A música habitou sempre a minha vida desde miúdo: um "gira-discos" compacto, ou pick-up de tipo malinha, como se chamava na altura, foi a primeira boa prenda que os meus pais me deram quando dispensei do 2º ano de liceu; e, quando ganhei o meu primeiro salário, em Angola (Sá da Bandeira, actual Lubango) o primeiro "electro-doméstico" (como se dizia) que se comprou (em 1973, e que nos ajudou a sobreviver nas solidões da África colonial do interior) foi uma aparelhagem "hi-fi", cujo rádio (bons tempos em que se comprava um aparelho para durar) ainda existe, com excelente som.
Eu não tive formação musical, ao contrário da Susana. Ela devia criar um blogue para falar desss coisas e, entre elas, de alguns dos 2000 CDs (grosso modo), para além dos muitos preciosos vinis, que para aí há... Fui-me "formando" a ouvir, e nisso tem acontecido como nos livros (não "profissionais"): é preciso ouvir (ler) muito, ganhar o gosto da procura, e ir constituindo a sua, pessoal e intransmissível, "discoteca (ou biblioteca) ideal". Estas coisas, para além do que dizem e aconselham todos os eruditos e conhecedores, são como o resto da vida - cada um tem de viver a sua, partindo dos "mestres" para, já "incorporados", deles se libertar, e chegar a um momento em que cada pessoa tem de optar por aquilo de que gosta mesmo muito. Isto é: que lhe dá satisfação e sobre o qual é capaz, depois, de "fazer" alguma coisa de seu, nas várias modalidades de expressão em que cada pessoa pode (ou podia) também educar-se.
Não encaro a realização de um ser humano, a sua felicidade, sem a possibilidade de se dedicar a uma actividade expressiva qualquer, das centenas disponíveis... faz-me impressão quem só consome (por muito bom que seja o que consome) e nunca cria algo de seu.
Nisso é que ainda somos muito "primitivos" (o nosso sistema de vida, de ensino, de educação, que não envolve as pessoas, o seu âmago, no processo de prazer que dá viver através desta incorporação, desta produção própria ... a não ser através das actividades desportivas não profissionais... enfim). Porque a música, a boa música, é um factor de felicidade incrível, desconhecido para a maior parte das pessoas, que consomem produtos de que gostam porque nunca tiveram acesso a uma aprendizagem que lhes permitiria "descobrir continentes".
Acho que se deve conjugar constantemente a atitude de aluno (o que é suposto não saber) com a de mestre ( o que é suposto saber, com toda a "autoridade" inerente), repetindo aquela velha frase que decorámos do Camões: cale-se o que toda a antiga musa canta - que agora canto (vivo, exprimo-me, fruo, falo, afirmo-me) eu! Fruir bem é já recriar, é sempre recriar, claro - mas se essa recriação se puder transmitir de algum modo aos outros, melhor. Nós não somos seres ruminantes ou autistas, ajudamos a criar espaço público, e esse espaço comunitário é vital, é o ar que respiramos, que nos faz viver, que nos estimula, que desperta nos mais jovens vocações e interesses. Às vezes basta um pequeno estímulo para transformar o sem-sentido da vida em algo de magnífico e exaltante. Muita gente anda deprimida ou quezilenta porque não se sente minimamente realizada, porque não tem oportunidade de se exprimir e afirmar no espaço público, de romper com rotinas e apatias, compensadas com um mal-disfarçado pseudo-hedonismo.
Este momento da rebeldia, da criatividade, é o que me aproxima dos outros, tornados não já passivos, mas activos seres humanos. Um ser humano comunica, exprime-se, diz coisas com o ímpeto de quem vive e frui esta oportunidade única de viver. Se possível com boa música, e longe de todo o ruído ambiente.

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