sábado, 29 de setembro de 2007

Credo (predominantemento) negativo


Não acredito em nenhum deus salvador.
Não acredito em nenhum sentido da história.

Não acredito em nenhuma pessoa neste mundo (nem em mim).
Não acredito em nenhum condutor espiritual (ou outro).
Não acredito em nenhuma ideologia redentora.

Não acredito no fim da história.

Não acredito que estejamos condenados ao capitalismo para sempre.

Não acredito no amor romântico.

Não acredito na amizade.

Não acredito que possa viver mais vinte anos.

Não acredito em nenhuma ideologia de qualquer tipo.

Não acredito em nenhuma reciprocidade.

Não acredito que daqui a 100 anos os meus poemas sejam lidos.

Não acredito que haja uma mulher por quem valha a pena morrer.

Não acredito que tudo o que me faz viver possa ser transmissível a outra pessoa.

Não acredito que alguém me compreenda (incluindo eu próprio).

Não acredito em nenhuma lei absoluta.

Não acredito no Estado.

Não acredito na autenticidade.

Não acredito na espontaneidade.


Acredito que o vietcong que se vê na famosa fotografia um segundo antes de ser morto com um tiro de pistola na cabeça, morreu mesmo.


Acredito que a morte e a vida são iguais, mas na segunda sofre-se, enquanto na primeira não se existe, e portanto não se sente nada.


Não acredito na ciência.

Não acredito na arte.

Não acredito em nada de verdadeiramente comovente.


Acredito na dor do doente.

Acredito que é horrível morrer cheio de dores.
Acredito que provavelmente é isso que me espera.


Não acredito no destino.
Não acredito em nada escrito ou dito.


Não acredito em nada, mesmo na minha descrença.


Acredito em que há momentos na vida em que me sinto com alguma genialidade.
Acredito que a maior parte das pessoas nunca o notou e se o notou está-se marimbando para isso.


Acredito que nunca poderemos perdoar os crimes nazis. Acredito que nunca poderemos perdoar os crimes soviéticos. Acredito que nunca podermos perdoar Hiroshima e Nagazaqui.
Acredito que nunca poderemos esquecer as vítimas inocentes desconhecidas.
Acredito que o sistema em que vivemos tem os dias ou os séculos contados.

Não acredito na justiça do mundo.


Acredito que é muito melhor estar aqui sentado a dizer que não acredito do que estar noutro lado privado de liberdade, de comida, de saúde.


Acredito que em alguns momentos sou feliz.


Acredito que não percebo mesmo como isso é possível.
Acredito que sou imensamente ignorante.
Acredito que devia era estar calado e nunca publicar mais nada.

Acredito que gostava de saiar daqui e internar-me num deserto até me diluir nas areias.

Acredito que os restos do meu corpo vão servir a outros animais.

Acredito que ainda não descobri o processo de desaparecer sem deixar rasto nem provocar sofrimento a ninguém.

Acredito que estou tão só como um asteróide.

Acredito que o melhor é para já ficar por aqui.


Acredito que gostava muito de abrir um livro onde estivesse tudo o que um ser humano deve saber.

Acredito que deve haver uma mulher neste mundo que console um homem com tudo o que ele pode querer, durante um certo tempo.


Acredito que deve existir a sombra de uma árvore onde uma pessoa possa sentir paz e ausência de desejo, pelo menos durante um certo tempo.

Não acredito que alguma vez encontre esse livro, essa mulher, essa árvore.


Acredito que se possa sentir felicidade, mesmo que instantânea, logo antes do maior desespero e perante o total desamparo.


Acredito que as pessoas todas fingem (incluindo eu).

Não posso acreditar que alguém acredite que estou a falar a sério; mas o contrário é certamente também verdade.



Foto: Natasha Gudermane
(rep. aut.)
Fonte: http://photo.net/photos/gudermane

16 comentários:

thorazine disse...

Eu também não acredito! :)

Vitor Oliveira Jorge disse...

Não acredito !

Anónimo disse...

Credo!!! Fiquei baralhada! Acredito que um soninho descansado te punha fresquinho...a acreditar nos amanhãs que cantam!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Estamos no Jardim da Celeste, giroflé, giroflá ?

José Manuel disse...

Acredito que não acredito mas também não acredito na descrença.

Homens de pouca fé...

Emanuela Duarte disse...

genial :D

thorazine disse...

A crença é o remédio dos shamans..e da MARIA!

Anónimo disse...

Acredito que voce está precisando de acreditar... desacreditando.
Ao ler em alguns momentos senti uma "peninha" enorme, uma vontade de acreditar que ainda se pode fazer alguma coisa para voce acreditar. Na verdade eu gostaria era de ter escrito boa parte do seu credo...
Helena

Anónimo disse...

Acredite apenas no que acreditam os seus gatos: a plenitude de cada segundo.

Anónimo disse...

Alguns encontram DEUS acreditam , outros negando a sua existência e outros na indiferencia ou neutralidade. (Buda)

Como vê todos os caminhos vão dar a Roma....

Anónimo disse...

Vitor,

O universo altera-se a cada picosegundo. O capitalismo é parte dessa alteração. Sem ele não comunicariamos desta forma neste momemento presente.
A pergunta é: Será que vale apena?

Anónimo disse...

Eu acredito no homem ordinário.

Viva a simplicidade.

Gonçalo Leite Velho disse...

Isto faz-me lembrar um texto sobre a crença do Rui Tavares onde ele defendia a sua não-crença.
Mas o não-acreditar é sempre um credo não é?
O Egocentrismo de carácter sartiano é insuportável. Combina bem com o capitalismo, numa espécie de individualismo metodológico extremado. Tal como o anarquismo se assume como o liberalismo no seu extremo (cada individuo gozando a sua liberdade).
Quando digo insuportável não me refiro a uma simples adjectivação. O texto do Vítor mostra a insuportabilidade do egocentrismo sartiano, em que o viver dificilmente se suporta, porque é feito de uma profunda solidão (desencanto, desilusão). Humano demasiadamente humano.
Naturalmente que o egocentrismo no seu individualismo se torna também insuportável para os outros. Não existe comunidade, logo não existe pertença solidariedade, reciprocidade. É interessante ver a própria opinião sobre a dádiva.
A dádiva, quer como redistribuição, quer como reciprocidade, é sempre um acto egoísta mas é também paradoxalmente um laço comunitário. Não compreender o paradoxo de todos estes actos, reforçar apenas um dos seus aspectos não só constrange como exercício dicotómico, como impede a abrangência.

Anónimo disse...

Ó VÉSPERA DO PRODÍGIO
Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é étero num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.
NATÁLIA CORREIA

Anónimo disse...

Valha-nos a Natália Correia poetisa.
Os poetas são tão certeiros, completos.... simples.Tenta, Vítor, fazer com esta matéria-prima um poema!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Como diria a Amália: obrigado, obrigado, obrigado!