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texto voj nov. 2009
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Mesmo – e talvez sobretudo –
Quando olhas de frente,
Não sei de onde estás a olhar,
Nem o que estás a ver.
Concebo-te como a um gato
A olhar para mim; ou
Concebo-me a mim próprio como gato
A olhar na tua direcção.
E para este novelo rotativo
Não há resposta, nem começo,
Ou fim: estivemos sempre aqui,
Postados de frente para a pergunta.
Mas o tempo há-de passar, os olhos
Abrirem-se e fecharem-se
Como a luz sobre os campos
Impressa em papel albumina,
Para acompanhar as estações
E as mudanças naturais, as plantas,
E os animais que do mato saem,
E olham.
Ou eu, animal, que os olho também.
De facto deste labirinto não saímos,
Umas vezes com mais frio,
Outras vezes à chuva, mas sempre
Com a pergunta, os novelos,
A rodarem sobre nós.
Começamos inexoravelmente a meio,
Disse Deleuze, e tinha razão.
E depois morreste-me, de certo modo
Temporariamente, porque tudo se reinicia.
Morreste por eutanásia, de olhos
Muito abertos, e desse modo para sempre
Me fixaste como gato atónito
A ter de olhar para ti, sobre uma marquesa
De alumínio, onde depois passou um pano
Desinfectante, e entrou na sua vez
Outro bicho, para também olhar antes de morrer,
Entre aparelhos que continuaram a soar
Da mesma maneira,
Antes e depois dos cristais de prata,
E do soro, conjugados, te trazerem à vista
Essa fixação final, fotográfica,
Esse olhar de glóbulos atingidos
Pela proliferação do líquido
Nas veias, pelo alastramento da morte
Injectada no já teu frágil corpo.
E na minha memória a perdição
De ter de viver como sobrevivente,
Como verdadeiro bicho,
A fazer perguntas como um verdadeiro gato.
A olhar-te sempre, sem saber quem foste
Ou és, sem saber quem sou eu, ou serei,
Sempre a ouvir este som de aparelhos indiferentes,
Mecânicos, automáticos, atrozes na sua persistência,
De sílaba em sílaba, de estrofe em estrofe,
De devir em devir, numa condenação ao olhar
Des-amparado.
1 comentário:
Felizes os poetas...que esconjuram a dor.... com uma "dor imensa"...
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