... com um crítico literário.
Em torno do meu último livro de poemas "Electri-cidade".
Gostei muito desse encontro, que apenas pecou por ser curto, dada a urgência do meu interlocutor. Na vida acontece isto com frequência: quando finalmente estamos numa situação desejada, quando damos por nós já acabou: é o espectro da interrupção.
Mas a interrupção abrupta (que Lacan tanto usava nas suas sessões, para escândalo de colegas e de alguns dos próprios "pacientes") pode ser produtiva. Deixa a pessoa suspensa numa série de pensamentos e de frases inacabadas. Como uma refeição tomada à pressa, engolida por forma a provocar uma certa dor no esófago ou no estômago.
Bem, o referido crítico, cuja opinião muito prezo (obviamente não divinizo, quer dizer, não a vou transformar de opinião pessoal em algo de dogmático ou programático, o que nunca a pessoa em causa, como aliás alguém no seu perfeito juízo, desejaria) não gostou do meu livro, embora não mo tenha dito abertamente.
De momento, e antes que me esqueça, deixo aqui algumas das impressões negativas que me transmitiu, antes que me esqueçam ou que se me deformem na memória. Esquematicamente:
- é um livro demasiado longo. Um livro de poesia deve ser relativamente curto (a não ser, claro, que se trate de uma "obra completa");
- este livro é muito desigual na sua qualidade, ou seja, teria ganho em ser feita uma triagem mais fina e uma eliminação de certos poemas em detrimento de outros;
- o livro tem um carácter pouco homogéneo, e só ganharia, de novo, em ser mais reduzido, com um conteúdo "mais escolhido", pois os poemas que considera menos bons enfraquecem os restantes;
- a questão da aura, de uma certa crença na aura, pode arrastar para o lugar comum, para o banal, para o kitsch;
- mesmo os poemas não escandidos em versos, sob a forma de prosa, são poemas (nisso estamos de acordo), mas não os aprecia;
- parece haver em mim (no que escrevo) uma certa crença na aura poética, o que podíamos chamar um certo poetismo, uma certa auto-complacência;
- aprecia uma poesia mais próxima da prosa (devo dizer que também, pelo menos tento por vezes);
- certa perplexidade advinda dos tópicos anteriores confirma-se no facto algo insólito dos poemas estarem apresentados por ordem alfabética dos títulos;
- não são tanto eróticos os poemas que às vezes surgem aparentemente como tal... a poesia erótica tem algo que se lhe diga, está aparentemente esgotada (estou também de acordo nisto);
- um certo lirismo transbordante, em enxurrada, digamos assim, e o facto de alguns poemas serem demasiado longos retira valor ao livro.
Esbocei os meus pontos de vista mas a urgência de tempo era grande. Como sempre, a continuação da conversa ficou para um próximo encontro, para uma próxima conversa. E os meus pontos de vista "em defesa" do meu livro que já não é meu, mas dos leitores, sujeito assim a todas as apreciações, desde as que o considerem uma nulidade, como a outras que mereçam alguma consideração (e grande é já a daquele que o lê todo, como foi o caso) ficarão para uma próxima postagem, porque não posso continuar a dormir tão pouco todas as noites.
Apesar de estar a ouvir a ópera de Handel, Il Trionfo del Tempo e della Verità (ed. Naxos, gravado em 1998 pela Barockorhester de Frankfurt) e de me apetecer neste momento "defender" a minha poesia exaltada... mas o sono é bom conselheiro!
1 comentário:
gostei dos seus argumentos...
(o encontro deve ter valido a pena de facto, porque é dificil encontrar um critico com rosto)
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