Fonte: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=24737&op=all
" Investigador português que admite uma pré-linguagem nos macacos recebe prémio ISPA
2008-01-05
Ricardo Gil-Costa
"O investigador Ricardo Gil-da-Costa recebe hoje segunda-feira o prémio de investigação do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) por um trabalho que revela que os macacos têm mecanismos cerebrais semelhantes aos que permitem a linguagem nos seres humanos.
* CH sugere a leitura do artigo de Catarina Amorim «Neural bases for language existed already 25-30 millions years ago in an ancestral of human and non-human primates» sobre um trabalho assinado por Ricardo-Gil da Costa e publicado neste jornal em 2006-07-28.
Para ver clique em http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=3767&op=all
O estudo "Toward an evolutionary perspective on conceptual representation: Species-specific calls activate visual and affective processing systems in the macaque", de Ricardo Gil-da-Costa, investigador do Salk Institute for Biological Studies, na Califórnia, Estados Unidos, e do Instituto Gulbenkian da Ciência, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of América.
O trabalho agora distinguido com o Prémio ISPA de Investigação em Psicologia e Ciências do Comportamento, que relaciona as disciplinas da psicologia e da neurobiologia, dedicou-se à análise das bases evolutivas do sistema de representação conceptual, ou seja, "as bases fisiológicas onde representamos mentalmente todos os conceitos que podemos imaginar, desde objectos, animais a interacções sociais".
Para saber como estão estruturadas as várias áreas cerebrais, os investigadores usaram métodos de imagiologia cerebral funcional, técnica que permite saber quais as áreas do cérebro que estão a processar determinada tarefa quando esta é exercida por um indivíduo, como ver, ouvir e memorizar.
Uma dúzia de vocalizações
Esta técnica foi adaptada ao estudo de reacções do macaco rhesus, que tem um reportório de 10 a 12 vocalizações diferentes, associadas a eventos diferentes importantes e com um significado para estes macacos, que podem servir para estabelecer hierarquias, assinalar comida, aviso de predadores etc..
Os animais foram sujeitos à gravação destas vocalizações do seu dia-a-dia e a outras gravações de controlo, neste caso sons não biológicos de instrumentos musicais e construídos por computador. Os investigadores procuraram assim distinguir a reacção do cérebro que está apenas num processo de percepção auditiva da reacção que o cérebro apresenta em imagens recolhidas na altura em que analisa sons com significado.
"O que nos interessava era quais as redes neuronais, quais as áreas do cérebro envolvidas no processamento de um possível significado destes estímulos, estabelecendo correlações", esclarece Ricardo Gil-da-Costa.
Quando um humano ouve a palavra cão ou o ladrar de um cão, o que acontece é que involuntariamente cria a imagem mental de um cão associada às experiências que teve, positivas ou negativas, com este animal, atribuindo-lhe uma determinada forma, textura e cor.
"Durante muito tempo defendeu-se que o motivo pelo qual nós temos este tipo de processamento e criamos esta imagem mental se deve ao facto de termos linguagem e um sistema de simbologia abstracta, o que nos permite correlacionar símbolos de várias modalidades e juntar estes conceitos de simbologia, como cheiros, sons e cores, por exemplo", explicou o investigador à Agência Lusa.
"Pensou-se que nos macacos este sistema não existiria desta forma, porque a linguagem é o que nos torna únicos, a última barreira que nos separa dos animais", sublinha.
Activação de áreas cerebrais
Durante o estudo, e depois de comparar as áreas envolvidas na reacção dos macacos às verbalizações usadas pela sua tribo com os outros sons não-biológicos, foi concluído que "perante as vocalizações deles, um estímulo que é auditivo, se verifica a activação de uma multiplicidade de áreas cerebrais, incluindo áreas de cognição visual, que estão ligadas especificamente ao processamento de cor, de forma e também da parte emocional".
Diz Ricardo Gol-Costa: "Isto implica que temos os mesmos tipos de resultados em macacos e em humanos: O que parece estar a acontecer é que, tal como em humanos, os macacos representam os conceitos de uma forma multimodal e distribuída e que representam o conceito de imagem como nós temos".
Esta descoberta pode significar que a linguagem não é uma condição prévia para este tipo de representação conceptual, como é aceite pela comunidade científica até agora, ou então que os primatas não-humanos têm já esboços de uma espécie de pré-linguagem. "Já pode haver um sistema de proto-linguagem ou um sistema pré-linguístico que permite este tipo de capacidades cognitivas nos macacos", admite.
O trabalho de Gil-da-Costa contribuiu para a defesa da teoria mais recente segundo a qual a representação conceptual resulta de várias áreas cerebrais, contrariando a hipótese clássica de que estes conceitos, que nos ajudam a sobreviver, estão arrumados em determinada área específica do nosso cérebro.
"Desde há muitos anos que se pensa que, quando se experiência um determinado evento, memorizam-se todas as várias sensações desse momento e que, em termos cerebrais, todas estas sensações são acumuladas numa determinada área do cérebro, chamada área semântica", explicou.
Um armário no cérebro
Seria como se tivéssemos no cérebro um armário a que chamaríamos "área semântica", onde estariam armazenados volumes com todos os conceitos e sensações relacionadas que conhecemos, a que se chamasse, por exemplo, gato, cadeira, livro, etc., e que depois se irira buscar conforme a necessidade.
"O que parece acontecer é que, de facto, não existe uma área cerebral semântica onde se armazenam estes conceitos todos, mas uma rede neuronal distribuída, um conjunto de áreas cerebrais que interagem, que permitem uma representação conceptual distribuída", revela Ricardo Gil-da-Costa.
Ou seja, voltando ao exemplo do cão, o que acontece é que "são activadas áreas cerebrais visuais olfactivas e sensoriais e cada uma delas contribui ao mesmo tempo com a sua perspectiva para a representação conceptual" do animal. "O conceito não está numa área única, mas emerge da interacção de todas estas áreas cerebrais", sublinha o investigador.
O Prémio ISPA de Investigação em Psicologia e Ciências do Comportamento distingue anualmente desde 2003 com 2.500 euros o trabalho de um jovem investigador português, publicado nos três últimos anos numa revista internacional científica em Psicologia e áreas afins."
* CH sugere a leitura do artigo de Catarina Amorim «Neural bases for language existed already 25-30 millions years ago in an ancestral of human and non-human primates» sobre um trabalho assinado por Ricardo-Gil da Costa e publicado neste jornal em 2006-07-28.
Para ver clique em http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=3767&op=all
O estudo "Toward an evolutionary perspective on conceptual representation: Species-specific calls activate visual and affective processing systems in the macaque", de Ricardo Gil-da-Costa, investigador do Salk Institute for Biological Studies, na Califórnia, Estados Unidos, e do Instituto Gulbenkian da Ciência, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of América.
O trabalho agora distinguido com o Prémio ISPA de Investigação em Psicologia e Ciências do Comportamento, que relaciona as disciplinas da psicologia e da neurobiologia, dedicou-se à análise das bases evolutivas do sistema de representação conceptual, ou seja, "as bases fisiológicas onde representamos mentalmente todos os conceitos que podemos imaginar, desde objectos, animais a interacções sociais".
Para saber como estão estruturadas as várias áreas cerebrais, os investigadores usaram métodos de imagiologia cerebral funcional, técnica que permite saber quais as áreas do cérebro que estão a processar determinada tarefa quando esta é exercida por um indivíduo, como ver, ouvir e memorizar.
Uma dúzia de vocalizações
Esta técnica foi adaptada ao estudo de reacções do macaco rhesus, que tem um reportório de 10 a 12 vocalizações diferentes, associadas a eventos diferentes importantes e com um significado para estes macacos, que podem servir para estabelecer hierarquias, assinalar comida, aviso de predadores etc..
Os animais foram sujeitos à gravação destas vocalizações do seu dia-a-dia e a outras gravações de controlo, neste caso sons não biológicos de instrumentos musicais e construídos por computador. Os investigadores procuraram assim distinguir a reacção do cérebro que está apenas num processo de percepção auditiva da reacção que o cérebro apresenta em imagens recolhidas na altura em que analisa sons com significado.
"O que nos interessava era quais as redes neuronais, quais as áreas do cérebro envolvidas no processamento de um possível significado destes estímulos, estabelecendo correlações", esclarece Ricardo Gil-da-Costa.
Quando um humano ouve a palavra cão ou o ladrar de um cão, o que acontece é que involuntariamente cria a imagem mental de um cão associada às experiências que teve, positivas ou negativas, com este animal, atribuindo-lhe uma determinada forma, textura e cor.
"Durante muito tempo defendeu-se que o motivo pelo qual nós temos este tipo de processamento e criamos esta imagem mental se deve ao facto de termos linguagem e um sistema de simbologia abstracta, o que nos permite correlacionar símbolos de várias modalidades e juntar estes conceitos de simbologia, como cheiros, sons e cores, por exemplo", explicou o investigador à Agência Lusa.
"Pensou-se que nos macacos este sistema não existiria desta forma, porque a linguagem é o que nos torna únicos, a última barreira que nos separa dos animais", sublinha.
Activação de áreas cerebrais
Durante o estudo, e depois de comparar as áreas envolvidas na reacção dos macacos às verbalizações usadas pela sua tribo com os outros sons não-biológicos, foi concluído que "perante as vocalizações deles, um estímulo que é auditivo, se verifica a activação de uma multiplicidade de áreas cerebrais, incluindo áreas de cognição visual, que estão ligadas especificamente ao processamento de cor, de forma e também da parte emocional".
Diz Ricardo Gol-Costa: "Isto implica que temos os mesmos tipos de resultados em macacos e em humanos: O que parece estar a acontecer é que, tal como em humanos, os macacos representam os conceitos de uma forma multimodal e distribuída e que representam o conceito de imagem como nós temos".
Esta descoberta pode significar que a linguagem não é uma condição prévia para este tipo de representação conceptual, como é aceite pela comunidade científica até agora, ou então que os primatas não-humanos têm já esboços de uma espécie de pré-linguagem. "Já pode haver um sistema de proto-linguagem ou um sistema pré-linguístico que permite este tipo de capacidades cognitivas nos macacos", admite.
O trabalho de Gil-da-Costa contribuiu para a defesa da teoria mais recente segundo a qual a representação conceptual resulta de várias áreas cerebrais, contrariando a hipótese clássica de que estes conceitos, que nos ajudam a sobreviver, estão arrumados em determinada área específica do nosso cérebro.
"Desde há muitos anos que se pensa que, quando se experiência um determinado evento, memorizam-se todas as várias sensações desse momento e que, em termos cerebrais, todas estas sensações são acumuladas numa determinada área do cérebro, chamada área semântica", explicou.
Um armário no cérebro
Seria como se tivéssemos no cérebro um armário a que chamaríamos "área semântica", onde estariam armazenados volumes com todos os conceitos e sensações relacionadas que conhecemos, a que se chamasse, por exemplo, gato, cadeira, livro, etc., e que depois se irira buscar conforme a necessidade.
"O que parece acontecer é que, de facto, não existe uma área cerebral semântica onde se armazenam estes conceitos todos, mas uma rede neuronal distribuída, um conjunto de áreas cerebrais que interagem, que permitem uma representação conceptual distribuída", revela Ricardo Gil-da-Costa.
Ou seja, voltando ao exemplo do cão, o que acontece é que "são activadas áreas cerebrais visuais olfactivas e sensoriais e cada uma delas contribui ao mesmo tempo com a sua perspectiva para a representação conceptual" do animal. "O conceito não está numa área única, mas emerge da interacção de todas estas áreas cerebrais", sublinha o investigador.
O Prémio ISPA de Investigação em Psicologia e Ciências do Comportamento distingue anualmente desde 2003 com 2.500 euros o trabalho de um jovem investigador português, publicado nos três últimos anos numa revista internacional científica em Psicologia e áreas afins."
2 comentários:
Pois, de facto nem tudo é texto.
A. Valera
Viva
comentário sucinto = comentário difícil de interpretar na sua intenção...
eu não tenho a ideia de que a realidade é redutível a um texto.
Esta notícia, como muitas coisas que coloco no blogue, não implica que não haja da minha parte uma grande distanciação em relação à motivação última (filosofia subjacente) a este tipo de investigações. Mas é um domínio importante que se deve incrementar...claro. Há ainda poucos anos, não havia nenhum português a estudar primatas... agora a interface comunicação animal/comunicação humana é, como sabemos, um largo problema em aberto. Em que nem podemos ignorar as aquisições da ciência, nem a complexidade filosófica inerente...não é?... continuo a estudar.
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