domingo, 27 de janeiro de 2008

engano de porta



entras-me assim pelo quarto dentro
quando eu pedi na recepção para não ser
incomodado

não, não fui eu quem te telefonou
deve haver confusão de número;

que é isso, aqui não recebo mails
e o telemóvel está sem bateria

além de mais sou um investigador,
uma pessoa séria, que viaja com portátil
e papers para escrever

o quê, isso é maneira de te pores
na mesinha, como se fosses um bicho
nu?

essa é pose que se tenha,
quando eu estou aqui a preparar
a minha intervenção?

que forma é essa de vires a gingar
na minha direcção,
rodando com a mão roupa interior
em passo
de brincadeira?

não, não fui eu que pedi,
sado-maso, estou inocente;
esse chicotezinho está a mais.
deve ser prá porta ao lado.

fazes o favor, não te deites assim
no sofá, virando-me as nádegas,
as pernas, as palmas dos pés.
e sobretudo o chicote pousado
mesmo ao meio.

spanking? bondage?! é engano.
já te disse para te vestires depressa
e te pores a andar daqui.

eu fui convidado para fazer
uma comunicação.
estou sozinho, com os candeeeiros
todos acesos
e com a gravata na mala prámanhã

de aeroporto em aeroporto
de hotel em hotel
transporto a minha bagagem

e as pessoas aplaudem,
querem o meu endereço
para me mandarem mais livros,
pedem indicações bibliográficas
fundamentais para prosseguimento
de estudos.

por isso tira esses óculos escuros
à bob dylan, julgas que és a cate
blanchett, ou quê?...
e põe-te a andar daqui.


estou agora para perder a noite
e ganhar direito a apanhar sida
com uma fulana que ainda por cima
eu não pedi.

num hotel destes não devia ser possível
acontecer isto. fico a olhar
para a porta fechada, para os sapatos alinhados
prámanhã, para os montes de papel sobre a mesa.

e agora que te foste embora
é que noto que vinte candeeiros de pé,
acesos, é algo de mais, mesmo
para um hotel destes.

mesmo para o scholar
que tem de treinar uma vez mais
a comunicação d' amanhã

longe dos ruídos lá de fora
que aqui não chega nada, sejam os jovens na rua
a partir tudo,
sejam as despedidas de solteiro no quarto ao lado.

não me posso esquecer dos comprimidos.
já são duas horas da manhã nesta cidade.

lavo os dentes na luz fosforescente.
percorro os ladrilhos brancos e pretos.

algures, numa cápsula cuja trajectória
desconheço, viaja um amor que já tive
para outro espaço-tempo.

enfio o capacete de astronauta
e entro no velho filme do kubrick.

voj 2008

5 comentários:

Anónimo disse...

sem enganos, diria que foi o achado do dia. Eu aqui na busca insólita, através das palavras rede relacional + deleuze, descubro seu sítio infoviário. Gostei demais de tudo que pude ver.
parabéns pela ação desenvolvida, gostraia de te adicionar em minha lista de feeds.
atenciosamente,
andré nunes
www.maquinomovel.com

Vitor Oliveira Jorge disse...

Muito obrigado. Você é estudioso de Deleuze?... Vou ver o seu blogue!
Eu ando a tocar uma série de instrumentos a ver se produz som de orquestra! O maestro faltou.
Obrigado mais uma vez pelo estímulo!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Para já, gostei. Preciso de mais tempo para o ler...obrigado!

Anónimo disse...

" (...) julgas que és a cate
blanchett, ou quê?..."

é um achado! Parabéns!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado...