Citando Zizek (in "Empire and Terror"... obra referida em postagem anterior - 5/1/08), e a propósito de, em geral, a relação psicanalítica não se dar face a face (embora isso também possa evidentemente acontecer com alguns analistas):
"Este evitar do face a face permite ao paciente "perder a cara" [não ter de mostrar a cara ao analista] e [não ter de] revelar detalhes mais embaraçosos. Neste sentido preciso, a face é um fetiche: embora pareça apontar para o abismo imperfeito e vulnerável da pessoa que se esconderia no objecto-corpo*, ela [face, rosto] na verdade esconde o real núcleo obsceno do sujeito."
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* Por isso se diz, por exemplo, que os olhos (e que, em geral, o rosto, é) são "o espelho da alma". Por isso também a relação face a face pode ser tão constrangedora, ligada à afirmação do poder (quando por exemplo o pai ou o professor diz para a criança, "olha, vem aqui, vamos olhar-nos bem olhos-nos-olhos") e a uma intimação do "outro demasiado perto", aquele ser dominante (ou compretensões a tal) que invade o "meu espaço" subjectivo e, eventualmente, impede a fantasia da relação inter-pessoal, impondo-se como algo de "demasiado cerca", assediando-me, assustando-me, perdendo até a sua característica humana para a de "monstro", ou, pelo menos, de ameaça.
(Nota e parêntesis rectos no texto insertos por mim)
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Ora, esta noção da face como fetiche (ou feitiço... que pode "enfeitiçar-nos", passe o jogo de palavras demasiado fácil...) é muito interessante.
Como quase tudo em psicanálise (se é que um ignorante como eu pode falar disso, assim), as palavras fetiche/fetichismo têm toda uma história que não varia só de época para época e de autor para autor, mas, evidentemente, no interior do desenvolvimento do pensamento de cada autor.
Por isso um dicionário ou manual ou livro de introdução à psicanálise pouco ou nada nos esclarecem sobre uma tão rica nebulosa de conceitos e de formas de interpretar a realidade, sendo prudente (mas claro, levando anos, muitos anos...) cada um ir abrindo o seu caminho próprio dentro desta nebulosa. Esse caminho próprio (em qualquer domínio) é que é o mais difícil, até porque implica cometer erros, que é preciso dar para depois serem corrigidos, pressupondo-se que o investigador se dá bem com os erros que ele próprio cometeu, não sendo paralisado pelo sentimento de culpa ou de ser canhestro. A experiência do erro é fundamental e sempre se sobrepõe com larguíssima vantagem à hesitação, à não actuação, em muitos domínios da nossa existência.
Toda a gente sabe que fetichismo (ou feiticismo) tem à partida um sentido pejorativo, conotando-se desde há muito com uma forma de "perversão sexual" (outra expressão a precisar de muitos esclarecimentos !!) que consistiria em procurar prazer numa parte do corpo do outro (transformado em objecto), ou sobretudo num objecto qualquer supostamente conotado com o outro, nomeadamente por parte do homem em relação à mulher (obsessão por sapatos, por roupa interior, etc, etc.).
Freud tratou disso largamente no contexto da arquitectura da sua obra.
Marx como se sabe também no âmbito da sua teoria da mercadoria abordou o carácter fetichista da mesma, assunto que não deixou de ser glosado por inúmeros autores até hoje (ver por exemplo o glossário que eu fiz de uma obra clássica de Jean Baudrillard, "Para Uma Crítica da Economia Politica do Signo", etc. no capítulo 8 do meu livro "Fragmentos, Memórias, Incisões", Lisboa, Colibri/IELT, 2006, pp. 175-176).
Mas a coisa tem muito, muito mais que se lhe diga... tem a ver com a nossa sociedade toda. Eu tentarei tornar tudo isso mais claro em breve... para mim próprio!
Continua! Em breve neste blogue...
"Este evitar do face a face permite ao paciente "perder a cara" [não ter de mostrar a cara ao analista] e [não ter de] revelar detalhes mais embaraçosos. Neste sentido preciso, a face é um fetiche: embora pareça apontar para o abismo imperfeito e vulnerável da pessoa que se esconderia no objecto-corpo*, ela [face, rosto] na verdade esconde o real núcleo obsceno do sujeito."
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* Por isso se diz, por exemplo, que os olhos (e que, em geral, o rosto, é) são "o espelho da alma". Por isso também a relação face a face pode ser tão constrangedora, ligada à afirmação do poder (quando por exemplo o pai ou o professor diz para a criança, "olha, vem aqui, vamos olhar-nos bem olhos-nos-olhos") e a uma intimação do "outro demasiado perto", aquele ser dominante (ou compretensões a tal) que invade o "meu espaço" subjectivo e, eventualmente, impede a fantasia da relação inter-pessoal, impondo-se como algo de "demasiado cerca", assediando-me, assustando-me, perdendo até a sua característica humana para a de "monstro", ou, pelo menos, de ameaça.
(Nota e parêntesis rectos no texto insertos por mim)
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Ora, esta noção da face como fetiche (ou feitiço... que pode "enfeitiçar-nos", passe o jogo de palavras demasiado fácil...) é muito interessante.
Como quase tudo em psicanálise (se é que um ignorante como eu pode falar disso, assim), as palavras fetiche/fetichismo têm toda uma história que não varia só de época para época e de autor para autor, mas, evidentemente, no interior do desenvolvimento do pensamento de cada autor.
Por isso um dicionário ou manual ou livro de introdução à psicanálise pouco ou nada nos esclarecem sobre uma tão rica nebulosa de conceitos e de formas de interpretar a realidade, sendo prudente (mas claro, levando anos, muitos anos...) cada um ir abrindo o seu caminho próprio dentro desta nebulosa. Esse caminho próprio (em qualquer domínio) é que é o mais difícil, até porque implica cometer erros, que é preciso dar para depois serem corrigidos, pressupondo-se que o investigador se dá bem com os erros que ele próprio cometeu, não sendo paralisado pelo sentimento de culpa ou de ser canhestro. A experiência do erro é fundamental e sempre se sobrepõe com larguíssima vantagem à hesitação, à não actuação, em muitos domínios da nossa existência.
Toda a gente sabe que fetichismo (ou feiticismo) tem à partida um sentido pejorativo, conotando-se desde há muito com uma forma de "perversão sexual" (outra expressão a precisar de muitos esclarecimentos !!) que consistiria em procurar prazer numa parte do corpo do outro (transformado em objecto), ou sobretudo num objecto qualquer supostamente conotado com o outro, nomeadamente por parte do homem em relação à mulher (obsessão por sapatos, por roupa interior, etc, etc.).
Freud tratou disso largamente no contexto da arquitectura da sua obra.
Marx como se sabe também no âmbito da sua teoria da mercadoria abordou o carácter fetichista da mesma, assunto que não deixou de ser glosado por inúmeros autores até hoje (ver por exemplo o glossário que eu fiz de uma obra clássica de Jean Baudrillard, "Para Uma Crítica da Economia Politica do Signo", etc. no capítulo 8 do meu livro "Fragmentos, Memórias, Incisões", Lisboa, Colibri/IELT, 2006, pp. 175-176).
Mas a coisa tem muito, muito mais que se lhe diga... tem a ver com a nossa sociedade toda. Eu tentarei tornar tudo isso mais claro em breve... para mim próprio!
Continua! Em breve neste blogue...
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