para a A.M.
Tinha começado a escrever:
As mesas.
Os tampos enormes das mesas
Abertas de manhã.
Tinha a intenção da geometria:
As paredes verticais, interiores,
As janelas abertas, e as lianas
Pendentes da sua própria cor vermelha.
Desenhar com palavras: planos,
Objectos, mesas abertas
Sobre o tampo da manhã sem segredo.
Lianas verticais sobre o terraço;
E o terraço ele próprio como plano
Aberto à escrita, à ponta do lápis.
Tinha atravessado várias cortinas
Bordadas de branco há muito tempo:
E não quereria acrescentar nada:
Parecia-me qualquer palavra uma blasfémia.
Toda a manhã se sustentava a si mesma
E no seu desenho: um emaranhado de linhas
Interminável, e por isso tão desnecessário
Como a prece também ela interminável.
O mundo
Não precisava de mais nada, estava completo.
As mesas de tampos abertos.
As ervas espetadas para cima.
As ruínas continuando a ser comidas por dentro.
As iguanas feitas de pedra.
Os olhos dos insectos parados, grandes
Como girassóis. Manchas verdes.
Os tampos verdes das mesas,
As suas toalhas debruadas pela manhã.
As palavras caladas como os pássaros.
Cada clareira tinha pousado
sobre a sua realidade de clareira,
um tronco havia deslizado
Ao longo de outro tronco, e eu observava
As heras enrolando-se em si mesmas.
Tinha estendido o corpo antigo e estranho
Sobre o tampo, tinha-o exposto à manhã
Como quem se oferece ao resto do tempo.
A obra estava pronta, nas paredes dançavam
Todos esses deuses, mas era uma dança de pedra:
Nem um som, nem um movimento.
As próprias cores, ao subirem, paravam
Entre as copas, percebendo a sua inutilidade.
Os macacos olhavam das árvores,
Mas mesmo quando caminhavam sobre as escadas
não interrompiam as gelosias dos templos,
O seu gesto passava entre
Os interstícios silenciosos.
Toda a dinâmica estava subjacente,
Passava com a lentidão das trombas
Sob o solo, enquanto as fórmulas se erguiam
No espaço, no entusiasmo das geometrias.
Foi quando entre o ar e a terra
Passou um vento, um suspiro vindo
Do início do mundo. Os teus cabelos. O teu olhar.
As mesas ergueram-se, sobre elas
Desenrolaram-se mapas. As tablas começaram.
As geometrias dispersaram-se, as linhas iniciaram
Uma interminável dança de desenhos que dura
Até hoje.
As tatuagens inscreveram-se na face da manhã.
Os tampos ergueram-se altos para suster o teu corpo.
As tuas nádegas brilharam de uma forma
Insuportável para os seres em roda.
Da tua vagina nasceram pássaros coloridos,
das tuas virilhas cânticos de deuses eróticos
há muito deitados de lado,
do teu coração emergiram as músicas,
os instrumentos, a arte sagrada da sua anotação.
E os homens puderam cantar para sempre,
Erguendo muito os joelhos, batendo as tablas,
Tentando corresponder à tua visitação.
Divididos nas suas línguas, deram-te muitos nomes,
Batendo com os pés no chão, cortando troncos,
Fazendo tampos, mesas, onde nunca, até hoje
Te conseguiram deitar.
Quanto a mim, tento imitá-los,
Fazendo alguma coisa com os gestos,
Com os ritmos, com as vozes que através de mim
Passam.
Certo de nunca acertar com a intenção
Dos teus olhos, com o prenúncio de ti
Que os cabelos supostamente trazem.
Um mero artesão sentado, surpreendido,
Quer dizer,
Parado no píncaro da estupefacção.
voj 2008
1 comentário:
"Cresceu-me uma pérola no coração, mas estou só, muito só, não tenho a
quem a deixar."
Al Berto
Enviar um comentário