Fonte: http://www.gabrielerigon.it
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centelhas de luz entram nos apartamentos sem pedir licença, e quando menos damos por elas já se estendem na vertical por toda a atmosfera, em ondulações de reflexos, num interior de aquário.
são como os cortinados, servem para dividir, para criar uma ilusão de devir nos planos, para nos distrair o olhar, para automaticamente reprimirem uns pés para a sombra da pose.
demasiado tarde. a porta fechou-se e com ela um segmento de tempo e tudo o que está lá fora, tudo o que nunca alguém poderá reconstituir.
aqui apenas uns olhos trespassam o apartamento, vêm até à retina, páram para encontrar uma sombra em que esconder a sua nudez.
olhar a arma que vai matar é a última pose do condenado, como se houvesse um além depois, uma postura a manter para lá do irremediável, quer dizer, do fio mortal que separa um instante do seguinte.
mas se não nos tivéssemos juntado aqui, como iríamos reencontrar-nos lá fora, na multidão, entre os milhões de transeuntes parecidos entre si?
por isso concordámos em fechar a porta, em se pousar o tripé, deixar que cada grão da tua pele fosse focado lentamente, até disparar. e isso, esse instante, apanhou-te sempre a ti e a mim desprevenidos.
de facto, não há crime perfeito, porque todo o crime procura ocultar-se sob uma sombra que nunca é a mais importante; por detrás dela está sempre pelo menos outra, ondulando na atmosfera, arrefecendo nas paredes, puxando o teu corpo para o preciso momento em que decidiste expor-te e a que, afinal, sempre escapas.
eu e tu na mesma armadilha, ambos atados ao fio do instante que nos uniu, e nos deu a ilusão do encontro.
mas como poderia ter sido de outro modo?
um encontro nunca se realiza. há demasiadas ondulações no ar, demasiada luz, demasiada previsibilidade, mesmo quando um maple parece ser ainda mais macio do que um corpo. as texturas embaraçam-nos.
o segredo de tudo isto deve poder enunciar-se, mas não sabemos quando ele eventualmente virá abrir a porta, partir o aquário, entornar aqui toda a multidão que vive lá fora, segundo supomos.
em suma, não temos a frase que seria a senha que nos permitiria resolver a questão.
e por isso disparamos, repetidamente, e tu às vezes pareces estar perto de uma pose semelhante à desejada. mas capto-te sempre um instante aquém, ou um instante além. e não sei quem teria desejado tal pose, desconheço quem, em última análise, nos marcou esta entrevista.
assim isto ameaça tornar-se apenas um jogo em que a tarde se esvai, em que o teu corpo parece trazer para a frente a sua nudez para se esconder atrás dela, para fechar uma porta, para impedir o ondular, mesmo ligeiro, de uma cortina.
para sair sempre da pose incólume. liso como o pavimento;
e eu agarrado à máquina sempre inútil...
ou estarei errado, e o poema - como as linhas de luz, como as dobras do sofá, como o teu cabelo armado - não tem qualquer intenção, não leva a parte nenhuma senão a si mesmo?
é apenas uma cerimónia, um ritual que se consuma entre a primeira e a última palavra, mesmo que talvez haja um ligeiro fremir de músculos em qualquer parte, uma certa inquietação, quem sabe se aparente ou real, nas almofadas?
ou será o espectador, ou leitor, aquele para quem afinal compulsivamente se posa, que irá finalmente decidir, desarmadilhar-nos?...pôr um pouco de sombra sobre a sombra, insinuando algo que se assemelhe a uma mão hábil, portadora de solução, de alívio?...
são como os cortinados, servem para dividir, para criar uma ilusão de devir nos planos, para nos distrair o olhar, para automaticamente reprimirem uns pés para a sombra da pose.
demasiado tarde. a porta fechou-se e com ela um segmento de tempo e tudo o que está lá fora, tudo o que nunca alguém poderá reconstituir.
aqui apenas uns olhos trespassam o apartamento, vêm até à retina, páram para encontrar uma sombra em que esconder a sua nudez.
olhar a arma que vai matar é a última pose do condenado, como se houvesse um além depois, uma postura a manter para lá do irremediável, quer dizer, do fio mortal que separa um instante do seguinte.
mas se não nos tivéssemos juntado aqui, como iríamos reencontrar-nos lá fora, na multidão, entre os milhões de transeuntes parecidos entre si?
por isso concordámos em fechar a porta, em se pousar o tripé, deixar que cada grão da tua pele fosse focado lentamente, até disparar. e isso, esse instante, apanhou-te sempre a ti e a mim desprevenidos.
de facto, não há crime perfeito, porque todo o crime procura ocultar-se sob uma sombra que nunca é a mais importante; por detrás dela está sempre pelo menos outra, ondulando na atmosfera, arrefecendo nas paredes, puxando o teu corpo para o preciso momento em que decidiste expor-te e a que, afinal, sempre escapas.
eu e tu na mesma armadilha, ambos atados ao fio do instante que nos uniu, e nos deu a ilusão do encontro.
mas como poderia ter sido de outro modo?
um encontro nunca se realiza. há demasiadas ondulações no ar, demasiada luz, demasiada previsibilidade, mesmo quando um maple parece ser ainda mais macio do que um corpo. as texturas embaraçam-nos.
o segredo de tudo isto deve poder enunciar-se, mas não sabemos quando ele eventualmente virá abrir a porta, partir o aquário, entornar aqui toda a multidão que vive lá fora, segundo supomos.
em suma, não temos a frase que seria a senha que nos permitiria resolver a questão.
e por isso disparamos, repetidamente, e tu às vezes pareces estar perto de uma pose semelhante à desejada. mas capto-te sempre um instante aquém, ou um instante além. e não sei quem teria desejado tal pose, desconheço quem, em última análise, nos marcou esta entrevista.
assim isto ameaça tornar-se apenas um jogo em que a tarde se esvai, em que o teu corpo parece trazer para a frente a sua nudez para se esconder atrás dela, para fechar uma porta, para impedir o ondular, mesmo ligeiro, de uma cortina.
para sair sempre da pose incólume. liso como o pavimento;
e eu agarrado à máquina sempre inútil...
ou estarei errado, e o poema - como as linhas de luz, como as dobras do sofá, como o teu cabelo armado - não tem qualquer intenção, não leva a parte nenhuma senão a si mesmo?
é apenas uma cerimónia, um ritual que se consuma entre a primeira e a última palavra, mesmo que talvez haja um ligeiro fremir de músculos em qualquer parte, uma certa inquietação, quem sabe se aparente ou real, nas almofadas?
ou será o espectador, ou leitor, aquele para quem afinal compulsivamente se posa, que irá finalmente decidir, desarmadilhar-nos?...pôr um pouco de sombra sobre a sombra, insinuando algo que se assemelhe a uma mão hábil, portadora de solução, de alívio?...
voj 2007
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