domingo, 18 de novembro de 2007

crónica do corpo aspirado para cima pelo soerguimento das sobrancelhas


foto: andy julia
fonte: http://www.andy-julia-photography.com/home.htm


não precisavas de corpo.

só tinhas o rosto.


a face estava escondida nos cabelos,
era uma face nocturna.
sobre ela acendia-se um candeeiro público,
tão geometricamente ao centro
que a sua luz era parada e invisível.

os olhos apresentavam-se
como seios,
cada um deles repuxado
até à pupila do mamilo.
havia aí uma atenção marmórea,
uma concentração de picos.

depois o corpo descia
até à boca aberta das narinas.
era lá que vinham morrer as marés,
que crescia o iodo

e os bivalves
que constantemente
fabricam
no seu interior

a vontade de se agarrarem
à eternidade.

mas esta tinha as suas portas fechadas
no grená do tempo,
nos lábios justapostos
sobre um ardor frio,
sempre adiado:

e o movimento do olhar
descia até às pernas impávidas
do queixo,

até às ancas que apenas projectavam
a cor para diante.

não havia uma cintura
por onde se pegar;
nem um golpe de vento
que viesse repor a madeixa.

somente sombras.
sombras como as das dunas
do deserto: de uma perfeição indescritível,
uma areia que escorria entre os dedos
da decifração,

e talvez ouro, minúsculas pepitas
prometidas, e para sempre confundidas
com outros grãos,
na vastidão soberana das distâncias.

havia garimpeiros
que se suicidavam aí,
no próprio momento
anterior à descoberta:

cortavam as veias
nos vidros estilhaçados

das lâmpadas invisíveis da noite,
soltando um último grito grená

trágico, e ridículo.

fugia-lhes o sentido
com que ias decorando o pescoço

que nunca tinhas tido.


voj 2007




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