Edward Hopper
Lighthouse Hill, 1927
Dallas Museum of Art
_________________
A casa sempre esteve
Demasiado perto do mar. A areia
Fugia-lhe por baixo dos pilares;
E as ondas, à noite, faziam da casa um barco.
Então os dois corpos aproximados
Eram um lampião no meio do absoluto escuro,
Enquanto os objectos sobre o soalho
Iam progressivamente desaparecendo
Nessa líquida inclinação para o fundo.
É certo, procurávamos em nós
Aquilo que restava da casa, da sua memória,
Dos seus amores ao lado da praia: essa areia,
Esse grão. E eu chupava-te como a um molusco
Suculento e cru, salgado e macio, de onde se extrai
A essência do iodo e de todos os odores do mar.
Com uma mão levantando cada uma das tuas nádegas.
E tu o mesmo comigo, dizendo, havemos de vencer
Mais esta noite, é preciso que as fogueiras santificadas
Se acendam no cimo do mastro: nelas me marco, me
queimo.
E procedias à acção com naturalidade.
Mas a água sempre esteve demasiado perto do fogo.
E a ondulação azul do soalho tornou-se
Cada vez mais forte, levando-nos as mesas,
Os papéis em que trabalhávamos, os livros
Meio lidos. E nunca senti que houvesse ali medo,
Sendo esse o maior enigma.
voj out/nov. 2009, porto
Sem comentários:
Enviar um comentário