domingo, 1 de novembro de 2009

azul escuro, passando a negro

















Edward Hopper
Lighthouse Hill, 1927

Dallas Museum of Art

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A casa sempre esteve

Demasiado perto do mar. A areia

Fugia-lhe por baixo dos pilares;

E as ondas, à noite, faziam da casa um barco.


Então os dois corpos aproximados

Eram um lampião no meio do absoluto escuro,

Enquanto os objectos sobre o soalho

Iam progressivamente desaparecendo

Nessa líquida inclinação para o fundo.


É certo, procurávamos em nós

Aquilo que restava da casa, da sua memória,

Dos seus amores ao lado da praia: essa areia,

Esse grão. E eu chupava-te como a um molusco

Suculento e cru, salgado e macio, de onde se extrai

A essência do iodo e de todos os odores do mar.

Com uma mão levantando cada uma das tuas nádegas.


E tu o mesmo comigo, dizendo, havemos de vencer

Mais esta noite, é preciso que as fogueiras santificadas

Se acendam no cimo do mastro: nelas me marco, me

queimo.

E procedias à acção com naturalidade.


Mas a água sempre esteve demasiado perto do fogo.

E a ondulação azul do soalho tornou-se

Cada vez mais forte, levando-nos as mesas,

Os papéis em que trabalhávamos, os livros

Meio lidos. E nunca senti que houvesse ali medo,

Sendo esse o maior enigma.



voj out/nov. 2009, porto


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