Eu e a Susana estávamos em Paris quando caíu o Muro de Berlim. Para um congresso da Sociedade Pré-histórica Francesa, quando ainda "dávamos para esse peditório"...
Num sítio um pouco invulgar, no Marais, numas instalações que nos tinha cedido à borla o Prof. Kruta (o especialista dos "celtas"), que tínhamos conhecido no Instituto Francês do Porto.
Após deambular pelo pitoresco bairro (único inconveniente: passeios cheios de "crottes de chien" que se tinha de contornar desesperadamente) entrava-se num antro obscuro onde funcionava uma instituição para a promoção da francofonia, ou algo assim. Era à borla, pronto, e no Marais!
O quarto, grande mas um tanto (um tanto é favor) decadente, num edifício que no mínimo era do séc. XVII e estava em obras, e sem casa de banho ou televisão (luxo impensável), não permitia abrir as janelas, devido aos andaimes, onde durante o dia passavam vultos. Ali estávamos desconectados do mundo. Nem víamos ninguém: apenas ouvíamos ruídos de supostos hóspedes deslizando para a casa de banho colectiva... porém de manhã os únicos a duchar-se éramos nós (coisa que não espanta para quem viajou por tais paragens...), de modo que tínhamos a sensação de viver numa casa de fantasmas, não fosse a governanta/recepcionista/porteira (essa instituição francesa) que nos olhava quando entrávamos e saíamos, de dentro do cubículo que lhe permitia visionar o vetusto pátio de entrada.
Valeu-me um velho (na altura recente, e muito querido) aparelho portátil (tipo walkman) para ouvir cassettes e rádio. Adormecia sempre com os auscultadores daquilo nos ouvidos, para esconjurar os fantasmas. E uma noite, precisamente há 20 anos, comecei a perceber que algo de incrível se estava a passar na Alemanha. Era a queda do muro de Berlim!
Acordei a Susana sobressaltado! O muro tinha caído! Ao longe, naquele tugúrio, ecoavam os gritos de alegria da multidão explodindo.
Fantástico. Os fantasmas, por momentos, esconderam-se nos guarda-fatos.
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