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As noites adensam-se para dentro de si mesmas mais que os dias, porque está escrito: não olharás para dentro das janelas. podes interrogar-te sobre quem estará por detrás, por dentro, de cada janela apagada, ou acesa. Mas jamais saberás quem é. Cá fora o iodo é intenso, sólido, como se respirar fosse atravessar uma cortina de iodo, uma cortina pesada e em claro-escuro. Mas as narinas abrem-se em vão. É impossível, mesmo de dentro das casas, mesmo de dentro do pensamento e do sentimento, saber o que se passa. As imagens correm sobre uma linha corredia de circo; e nunca sabemos onde vão parar, onde está o momento do pathos, quem são as pessoas e o que significa produzirem constantemente enunciados, emitirem sons e expressões de todo o tipo, matérias que os Psicólogos anotam, anotam, nos seus canhenhos sem fim. As raparigas mostram os seios, têm essa arte de jogar, de avanços e recuos. E o baile continua, dentro e através das cortinas de iodo, indiferente à interrogação das janelas. Frase aqui, frase acolá, mensagem agora, mensagem depois, e a teia que enrola o mundo continua no seu casulo, indiferente aos lampiões que se acenderam quando veio a noite, e fazem uma paisagem diferente. A rapariga sente o que julga ser o corpo, anseia o tacto, eis tudo; será? Os seus seios sabem a sal? Como se escama uma rapariga, e corta às fatias para consumo, como se passa finalmente a qualquer acto que mate, que destrua, que tenha influência, que seja evento? Como se modifica a impassibilidade dos ícones, uma estalada chega? Que quer a noite insinuando-se nestes ruídos, neste silêncio que lhes subjaz, ou que sobre eles monta, para galar a rapariga, a sua nudez sempre imprudente, o seu passo de decisão, de entrega? Que querem as casas, com as pessoas lá dentro, abrindo e fechando luzes das suas vidas, quando cá fora este iodo fecha as cortinas do entendimento e dá origem à música, à cintura, à mão que se permite sobre a coxa, ao progressivo avanço sobre o dorso, à suavidade sendo manchada como avanço do óleo azul da noite. Nada sairá deste mundo virgem, ileso, e todavia ninguém entenderá o que se passa aqui. Vamos coleccionando noites, palavras, por vezes traumas que nos atingem o nariz, e fazem sangrar por dentro da boca. Por dentro das janelas. Por dentro do iodo. Afastando cortinas. Numa interrogação que os lampiões ao longe, espaçados regularmente, reflectem nas águas do Douro. São tão pequenos os carros a esta distância, as suas luzes, as vidas que transportam, e cuja lactência bruxuleia ao longe, como estrelas. Há um ruído, há gritos mais altos e outros mais baixos, o zoo humano funciona mesmo a estas horas, em que se vêem mal as esquadrias das esquinas. No fundo o que se pedia eram uns passos hesitantes, nus como pode a nudez ser indecente, desprevenida, sobre um chão indeciso: mas isso existe? Em que écrã está a passar? Em que fantasia se poderá projectar, leitora, leitor, para quem encho estas caixas de palavras embriagadas pelo iodo e pelas perguntas antigas, as mais essenciais. Que imenso que é o mundo, que falta tão grande ele nos apresenta de bandeja, com a cabeça de deus cortada e sangrenta, sendo trazida pelas virgens, pelas ninfas da noite, pelas miúdas dos nenúfares. A tua figura pode invocar-se, sabendo-se de antemão que é um mero reflexo de quem interpela? Que se pode fazer, então? Que rio se trava assim junto da foz?
Há aqui uma certa asfixia por dentro da liberdade do iodo, das suas narinas abertas.
Há um pulmão sobre a foz do Douro, que se tenta encher de alguma coisa que o dilate, que seja como um peixe prateado e vivo, e no entanto a contorcer-se para entregar as guelras à mão experimentada que se vai apoderar dele, sem mais nem menos.
Dentro da gramática, corremos sempre como um avião que aterra à noite, furando o ar, apontando a atenção à pista, entre luzes iluminadas. Sobrevivemos. A janela que despoletou o texto continua acesa: e vê-se o seu interior. É uma cama sem ninguém, uma espécie de Denis Hopper sem figura humana. E no entanto decorreu tanto tempo!
Não se ouve o rio a entrar no mar. A foz é por definição assim. Uma espécie de braço entendido, num gesto de perfeição.
Há aqui uma certa asfixia por dentro da liberdade do iodo, das suas narinas abertas.
Há um pulmão sobre a foz do Douro, que se tenta encher de alguma coisa que o dilate, que seja como um peixe prateado e vivo, e no entanto a contorcer-se para entregar as guelras à mão experimentada que se vai apoderar dele, sem mais nem menos.
Dentro da gramática, corremos sempre como um avião que aterra à noite, furando o ar, apontando a atenção à pista, entre luzes iluminadas. Sobrevivemos. A janela que despoletou o texto continua acesa: e vê-se o seu interior. É uma cama sem ninguém, uma espécie de Denis Hopper sem figura humana. E no entanto decorreu tanto tempo!
Não se ouve o rio a entrar no mar. A foz é por definição assim. Uma espécie de braço entendido, num gesto de perfeição.
2 comentários:
Este poema é belíssimo e comoveu-me. Thanks.
Que pode o autor dizer senão que ficou muito satisfeito e estimulado para outros momentos em que a desacreditada "inspiração"se junte a muitas outras contingências, para que se produza de novo algo de comovente. Pelo menos para um(a) leitor(a)...
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