segunda-feira, 18 de agosto de 2008

portugal esgotou-se-me


não sei onde está.

abstraí-me disto para sobreviver,
de novo, como há tantos anos, desde
a minha infância: longa experiência.

habito a música, a poesia, os meus livros,
e alguns locais onde aparecem figuras
miraculosas,
as quais, acredito, dão a volta ao céu
e de vez em quando também pousam aqui.

de portugal ficou-me a língua,
a única que sei falar e escrever e ler,
e com ela tento fazer este artesanato
este texto interminável,
como uma penépole que fizesse e desfizesse
eternamente o seu sonho

daquilo que um dia, quando era novo,
sonhei que portugal podia vir a ser.

e nisso estava então (parecia) bem acompanhado;

mas não sei por quê
todos se foram indo embora,

ou desistiram, ou morreram,

ou então talvez andem em coretos dançando em volta
dos torvelinhos das suas vidas,
com os dentes pintados do azul do vinho
de má qualidade, que aqui leveda, e fica mais em conta.

portugal esgotou-se-me, não há pachorra.

por isso estou sempre numa casa vazia,
numa fila de check-in,
num assento observando as planícies de nuvens
lá em baixo
esperando que viagem jamais termine,
numa rua que não conheço,
tirando fotografias
junto a um mar que já não me comove.

entre áleas que não sei onde levam,
com os olhos nas esquinas
onde pode estar algo de inesperado;

lendo o mais alto que posso
vendo as copas das árvores mais brilhantes que posso
picando-me nos espinhos dos cactos mais aguçados que posso,
dirigindo mails patéticos a esta e àquele

nesta língua única que sei usar
para mandar mensagens ininteligíveis de socorro

de ajuda não sei bem para quê;

a partir de lugar nenhum.






fotos e texto voj 2008

1 comentário:

jorgesapinto disse...

Caro Professor:

Acompanho-o nesse poema.
Como sabe, além das razões da sua confissão/protesto, tenho outras mais.
Cada vez mais somos convocados para sermos cidadãos daqui e de acolá, nesta globalidade, até que a vida se esvaia na espuma das ondas, ou se torne objecto de futuros trabalhos de arquelogia( a natureza vinga-se...).

Saúdo aos dois a quem ficamos sempre gratos desde os anos setenta.

Jorge Sá Pinto