sábado, 16 de agosto de 2008

splash



de tarde, ela, a tarde, estendeu as mãos e disse:
este é o meu corpo.
já tarde ela entreabriu os lábios e disse:
splash.

a tarde caiu já tarde numa colher, na parte côncava
onde o colherim atinge as entranhas, algo
que está recôndito.

e as entranhas disseram: splash.

e o líquido, tardíssimo, espalhou-se pelo ar,
pelas paredes, e ele disse, mirando
cada uma das gotas resplandescentes:
não te tivesses feito a este encontro.
assim tão tarde. assim tão ardentemente.
e ela respondeu: tens o colherim banhado em sangue,
o meu sangue atravessou-te o peito,
era capaz de poder ter sido diferente.

não, já muito tarde é assim, tem de ser assim,
vê com cada gota reflecte o som inicial:
splash – retorquiu ele.

não feches nunca os lábios: abre-os até ficarem roxos.
espera pela tarde tardia, pela tarde que incha os horários,
que dilata a impaciência:
e diz, do fundo dos teus lábios, uma palavra que equivalha
a este som de queda e de elevação, a esta enxurrada
contida no interior de uma colher.

a esta partida dos fluidos em todos os sentidos.
a esta onda, a primeira vaga
das que hão-se invadir o firmamento, e trazer a noite,
os teus lábios sempre, o teu oferecimento:
este é o meu corpo.

este é o meu sangue para ti.
tarde, como uma tempestade que finalmente rebentou
numa praia passada, onde já ajoelhada estavas,
e dizias desde sempre
na expectativa do mar: inunda-me.

um longínquo splash,
bem dentro.


movimento astral dos líquidos.
olhos das estrelas serenas espreitando por detrás do impacte
das primeiras arremetidas.

desejo bucal de morder os versos
que fazem verter sangue à imagem, que fazem corpo
com a tua oblata. que unem o som
ao verbo e à explosão
do líquido no ar.

voj 2008
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Foto: Ernesto Timor
Fonte: http://www.ernestotimor.com/pages/_01_unfixed00.html

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