sexta-feira, 13 de junho de 2008

semáforo


há dias parei num sinal vermelho e olhei para a minha esquerda. Dentro de um carro baixo, uma mulher nova contorcia-se toda, cabelo espalhado em juba de leão por quase todo o habitáculo. Não fiquei perplexo, porque já quase nada surpreende, já todos vimos tudo, não? Mas instintivamente perguntei-me: estará a precisar de ajuda? Ataque epiléptico? Zanga súbita com o(a) namorado (a) ao telemóvel mãos livres? Contrariedade por ter de parar num momento de grande stress? Insecto irrequieto que lhe terá provocado irritante comichão em momento de não se poder coçar? Algum dispositivo existente em versões modernas de viaturas para a pessoa aproveitar os momentos de pausa, por pequenos que sejam, para ter uma escapadelazinha orgásmica? AVC por ter visto o último preço do gasóleo? Tudo isso seriam vulgaridades.
Não, e para citar popular anedota, a menina não estava a ir-se nem a vir-se. Estava só num sinal vermelho a ouvir música (pode chamar-se assim, pronto, hoje é sexta à noite) e a curtir que nem uma danada. Mas uma curtição que para o ser tinha de se ver, e ouvir. De facto, e ao abrir a janela do meu carro, senti que som potente daquela viatura irradiava. A leoa, ou dragona (já que estamos no Porto), estava (mostrava estar, o que é o mesmo, desde que o mundo e a imagem se sobrepuseram) em transe.
Eu pensei: igualdade dos sexos, dos géneros, ou como queiram. A atitude de serem discotecas ambulantes já não pertence só aos parvalhões que circulam a agitar-se dentro das suas potentes máquinas. Agora também se estende às parvalhonas, estão no seu direito, quase a partir o vidro pára-brisas se por acaso o sinal não passa a verde depressa. É assim mesmo, portugal positivo, afirmação, agitação, energia.
Altura de parar para fumar um cigarrito, pois, como nos filmes antigos, depois de.



4 comentários:

Rosalia Lerner disse...

Lamento ver esta cena também aí ,
aqui e partout... demora(quando se chega) a descobrir a sutileza do ser.
Aprecio muito acompanhar seu blog.
O conteúdo tem me acrescentado sempre
algo de muito positivo.
Um bom-dia a você e sua esposa com
respeito e carinho
Rosália Lerner de São Paulo
Brasil

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado. Você parece ser uma pessoa que goza a vida, intensamente. Que bom!

Rosalia Lerner disse...

Com intensidade , mas sem muito ruído.
Agradeço a gentileza de ter respondido.
Tudo de bom!

Vitor Oliveira Jorge disse...

Mas essa é a maior arte... a mais difícil, não é? Porque qualquer gesto intenso provoca pelo menos deslocação de ar... às vezes bem dentro dos nossos vazios interiores, grandes garagens.