sexta-feira, 27 de junho de 2008

turismo


uma vez, uma mulher, cujo rosto - e particularmente talvez o olhar - sempre me interessou, mas deixei de ver durante longos anos, encontrou-se comigo.
e disse-me:

"não sou uma intelectual.
gozo o mundo.
ganho um bocado de dinheiro, e vou gastá-lo numa viagem.
os meus pais deram-me carro e casa, estou bem."

nesse momento percebi.
eu preparava-me para me tornar em mais um dos seus produtos de consumo.

Acabada a conversa, nunca mais a procurei.
E isto tem-se passado com bastantes pessoas.

De repente abre-se uma falésia por onde caem;

e regressa-se a casa sem remorsos, aliviado,
reconciliado com a solidão,
desejoso de um livro que se possa ler, sobre uma mesa redonda,
com um único candeeiro de abat-jour redondo como a mais terna
das companhias.


2 comentários:

vacalouca disse...

Todos vemos os outros como um produto de consumo. Quando agrada ficamos com eles quando desagrada deitamos fora. Na verdade dizer que eles "desaparecem no abismo" é apenas uma forma de nos convencermos que eles é que nos abandonaram quando fomos nós que o fizemos.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Todos vemos os outros como um produto de consumo. - eu não!

Quando agrada ficamos com eles quando desagrada deitamos fora. - não é essa a minha ética...

Na verdade dizer que eles "desaparecem no abismo" é apenas uma forma de nos convencermos que eles é que nos abandonaram quando fomos nós que o fizemos.

- Não, fomos nós que os abandonámos, isso está claro no texto. Porque o consumo é a consumição das pessoas... como toda a gente sabe. Claro que me pode dizer que todos somos consumistas, e é apenas uma questão de estilo, de gosto, de postura teórica ou ética, mas na prática somos todos iguais. Mas é contra essa uniformização que me rebelo, por uma individuação que não seja bestial, obscena. Não não podemos olhar o outro como um produto de consumo, a extensão da mercadoria a tudo é in-decente, e está a tramar-nos.