terça-feira, 3 de junho de 2008

é impossível


Há milénios que o ser humano vive sob o regime da representação.
Aprisionado pela linguagem, sempre que quer respirar pronuncia uma regra de gramática.
Mesmo a mulher, quando tira as calcinhas e olha para o tecto, presta culto a essa ordem, está dentro do ar.
Diz-se que um tucano no princípio do mundo tentou furar este bloqueio com o seu bico duro e tenaz.
Mas assim fragmentou o mundo numa infinidade de espelhos e de ecos; e essas centelhas de vidro ainda hoje caminham para o fundo do universo, sendo-nos devolvidas todos os dias contra a cara, contra o olhar atónito do corpo.
No way out.

Só pode haver uma solução: ser garça.
Olhar para cima.
Estar nu(a).
Sempre muda qualquer coisa, as cuecas no chão, em volta dos pés.
É isso que procuro nestes jogos: atirar o maior número de bolas ao ar, fazer um número certo: duas, depois quatro, depois dez, e assim sucessivamente.
Criar uma espécie de tensão, partir de terra em terra, montar a tenda, repetir a cena, variar as luzes, a lingerie, a música de cena. Representar, representar, representar que nem um(a) louco(a).
Com os dentes todos pretos de tinta.
Dando mordidelas textuais no ar.



Texto: voj 2008
__________________________________________
Foto: Grace Ho (naked4)
Fonte: http://www.graceoh.net/portfolio.html

Sem comentários: