terça-feira, 3 de junho de 2008

toca


toca.
toca-me.
com a ponta de um dedo.
com o bico da língua.

quero sentir-te
nos tímpanos.
quando acender as tochas.
os pavios
nas palmas, no centro.

nas conchas côncavas.

toda a minha música
é uma espécie
de longo chamamento.

ouves estas percussões
altas como troncos
convergindo?

não têm qualquer sentido;
são apenas jogos adultos
como qualquer ciência.

vês estas polpas de lítchias
a abrir e a fechar?
esta gordura que escorre
das mãos sobre os tambores?
pois é isso, só isso.

percussões, forças desvairadas
esvoaçando em todas as direcções,
o deserto do mundo

e depois mais nada.

há demasiadas crianças mortas.
demasiadas jovens boiando à tona
nos quadros pacientemente pintados
vogando no vácuo dos museus.

demasiados crimes.
demasiado desencanto quando te peço:
faz-mo, sim, toca, engola, trinca, deglute.

quero sentir ao menos o cheiro do sangue
quer ver as minhas próprias guelras
sobre a tábua.

toca, tem um momento
de humanidade.

prepara-me em prato,
serve-me.


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texto: voj 2008
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Foto: Grace Ho
Fonte: http://www.graceoh.net/portfolio.html

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