sábado, 14 de junho de 2008

entregar o corpo

a velhice não tem nada de especial, é como todo o resto da vida, um desequilíbrio que permanentemente tenta reequilibrar-se na arena do circo da existência. é preciso é estar ou mostrar-se feliz, ele(a) mesmo(a), propriamente seguro(a) de si, ainda que vá andando com ligeiros estremeções à beira de um precipício.
Quando se é novo, reserva-se o corpo e a sua imagem e toque para momentos e pessoas especiais.
Quando se é velho entrega-se o corpo aos outros, ao cuidado do outros, e como cristo diz-se: vede, este é o meu corpo, crucificado por tantos anos. E já não há vergonha, nem decoro, nem se passa nada de especial, senão esse estremeção que atravessa a vida retrospectivamente. E que parece perguntar: por que não me libertei desde cedo da minha imagem, dessa encenação, e entreguei o corpo mais cedo? Afinal não foi sempre o que fiz aos cuidados médicos, que me apalparam e revolveram como quiseram, ou aos seres amados, idem? Que mania, que obsessão sempre de me compor, de me mettre en scène, de viver em função do olhar alheio, sempre a espreitar a sua aprovação. Eu sei que é assim mesmo, basta ver os jovens que estão a viver pela primeira vez, e apesar de todas as diferenças de geração repetem os tiques, são tão patetas como eu fui quando era mais novo. C' est comme ça. Mas se eu tivesse sabido mais cedo, talvez tivesse jogado o jogo de uma maneira menos convencional, como dizer, talvez tivesse feito umas caretas que até ficavam bem, era naif, fauve, arte povera, qualquer coisa já experimentada como todas, mas ao meu modo.
Trop tard.


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