Foto: Natasha Gudermane ("A man's fate")
Fonte: http://photo.net/photos/gudermane
A maior parte das pessoas conformou-se com a distinção entre o trabalho e o lazer.
O trabalho é em geral conotado com uma obrigação necessária à sobrevivência - é chato. Isola cada um nas suas responsablidades profissionais, mas suas tarefas.
O lazer é conotado com outra obrigação, assumida ou implícita - a da pessoa se distrair e de estar com os outros.
Mas a maior parte das distracções deixa sabor a pouco. E a maior parte das pessoas não se revela no seu interesse, não se empenha nos outros, tem medo, não toma a iniciativa de sair do seu pequeno círculo, encapsula-se.
Então o lazer torna-se um frete ainda maior que o trabalho, a verdadeira socialização só se dá em pequenas capelinhas, e a pessoa anseia por regressar ao dito "trabalho" onde apesar de tudo está distraído e é útil, quando não consegue ser mesmo algo criativo. Pelo menos queima energias, e às vezes entusiasma-se, imagine-se!
Quando descubro alguma ideia que julgo interessante, ou quero transmitir uma experiência que sinto inusitada, procuro a figura do interlocutor. Um interlocutor (abstracção) é a "coisa mais importante" que podemos ter na vida, porque a relação que com ele(a) se estabelece em princípio não conhece as barreiras do trabalho e do lazer, da amizade, da afectividade, do desejo, da sexualidade (obsessão contemporânea... como problema - estamos na cultura do orgasmo, o que é péssimo para o prazer que de facto dá, como toda a gente adulta sabe).
Quer dizer, ultrapassa os mecanismos da frustração que se geram nessas compartimentações, nessas camisas de forças, nessas institucionalizações da vida classificada, arquivada.
O(a) interlocutor(a) ideal seria(m) a(s) pessoa(s) com a qual (as quais) idealmente posso (poderia) fluir de um tipo de relação (não) classificada para outro, isto é, posso (poderia) sentir essa disponibilidade no(a) outro(a) relativamente a mim.
O que eu espero é a ausência de barreiras, é poder prosseguir um caminho como quem percorre uma praia sem ter de estar sempre a mirar a areia, no medo de se espetar numa agulha infectada (infelizmente a realidade está cheia de agulhas infectadas).
A disponibilidade real para o outro não conhece classificações, nem barreiras. Por isso muito do que se escreve sobre a amizade, o amor, etc., são em geral banalidades ou tretas.
O que eu (cada um de nós) quero (quereria) era encontrar no outro o meu desejo de mim, ou seja, a receptividade absoluta, o encaixe perfeito: a expectativa de um mim que eu próprio desconheço, e que esse olhar "apaixonado" (intensamente interessado) do outro me devolveria, me revelaria. O que eu quero é ver-me num espelho antes do "espelho inicial" me ter cindido em (pelo menos) dois.
Como sei que existem milhares, se não milhões, de potenciais interlocutores no mundo, que não me conhecem e que não conheço, necessito de "me publicar", de me tornar "figura pública", não sobretudo por vaidade ou narcisismo primário (credo!), mas pela vontade de chegar até essas redes de inter-relação verdadeiramente densas de sentido, de sentido emocional e intelectual (malditas dicotomias).
Questão de escala: o que eu procuro, ao fugir dos encontrozinhos, das amizadezinhas, das cumplicidadezinhas, das famíliazinhas, das emoçõeszinhas... é, como todos os que se identificam com esta sensação de ansiedade pela grandeza, pela completude, um mundo em que não haja contemplações para com a mediania, o entretenimento vulgar, a pendular movimentação, quotidiana, entre o trabalho e o conhaque.
E depois temos as inevitáveis e omnipresentes pequenas seduções ensaiadas, o consumismo do outro, o mascar e deitar fora, a mania que muitas mulheres (agora?) têm de que basta um piscar de olhos e lá vai o macho atrás... oh, meu deus, que penúria, que miséria! Um macho era bom para puxar carroças no tempo em que elas existiam, minhas!
Sejam mais subtis, por amor de deus! Deixem de estar obcecadas pela imagem, por esses tiques ridículos da chamada "feminilidade".
Vocês atraiem muito mais sendo apenas pessoas interessantes, não precisam sequer de ser giras.
Ainda não perceberam, vocês que acham a maior parte dos homens brutos e se acham a vós próprias muito subtis?
A não ser que queiram apenas encontrar "machos" e resolver problemas de "higiene sexual", como qualquer necessidade fisiológica urgente. Estão no vosso direito, boa curtição.
Nós, os convencionalmente classificados homens heterossexuais (...), também estamos a fazer a nossa revolução silenciosa, o nosso processo de nos autonomizarmos do vosso poder ancestral!
É um mito a superioridade universal masculina, nós homens estamos presos de imensos fantasmas que frequentemente vocês desconhecem.
A obsessão por exemplo da virilidade (vista como função maquínica, como desempenho perfeito), a preocupação, inoculada pela medicina, da "disfunção eréctil", por exemplo. Tal expressão, na sua obscenidade, diz tudo. Isso é que é pornográfico no sentido pejorativo, e não uma pessoa excitar-se com uma imagem que lhe dá gozo, sem prejudicar ninguém. Que enorme hipocrisia rodeia todos estes temas, que fazem a riqueza (não humana, financeira) dos psiquiatras, sexólogos, etc!
Às vezes transmito uma ideia a uma pessoa e essa pessoa não percebe que lhe estou a fazer uma declaração de amor.
É como se as coisas fossem sapatos numa sapataria, tudo arrumadinho, tudo consoante o modelo, tudo conforme, tudo de acordo com as caixinhas (ou caixões?) em que repousam, à espera do consumidor, do momento próprio. Porque há um momento próprio para tudo: trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.
Que miséria, que cansaço!
(Apetecia-me dizer um impropério popular, mas contenho-me).
Fonte: http://photo.net/photos/gudermane
A maior parte das pessoas conformou-se com a distinção entre o trabalho e o lazer.
O trabalho é em geral conotado com uma obrigação necessária à sobrevivência - é chato. Isola cada um nas suas responsablidades profissionais, mas suas tarefas.
O lazer é conotado com outra obrigação, assumida ou implícita - a da pessoa se distrair e de estar com os outros.
Mas a maior parte das distracções deixa sabor a pouco. E a maior parte das pessoas não se revela no seu interesse, não se empenha nos outros, tem medo, não toma a iniciativa de sair do seu pequeno círculo, encapsula-se.
Então o lazer torna-se um frete ainda maior que o trabalho, a verdadeira socialização só se dá em pequenas capelinhas, e a pessoa anseia por regressar ao dito "trabalho" onde apesar de tudo está distraído e é útil, quando não consegue ser mesmo algo criativo. Pelo menos queima energias, e às vezes entusiasma-se, imagine-se!
Quando descubro alguma ideia que julgo interessante, ou quero transmitir uma experiência que sinto inusitada, procuro a figura do interlocutor. Um interlocutor (abstracção) é a "coisa mais importante" que podemos ter na vida, porque a relação que com ele(a) se estabelece em princípio não conhece as barreiras do trabalho e do lazer, da amizade, da afectividade, do desejo, da sexualidade (obsessão contemporânea... como problema - estamos na cultura do orgasmo, o que é péssimo para o prazer que de facto dá, como toda a gente adulta sabe).
Quer dizer, ultrapassa os mecanismos da frustração que se geram nessas compartimentações, nessas camisas de forças, nessas institucionalizações da vida classificada, arquivada.
O(a) interlocutor(a) ideal seria(m) a(s) pessoa(s) com a qual (as quais) idealmente posso (poderia) fluir de um tipo de relação (não) classificada para outro, isto é, posso (poderia) sentir essa disponibilidade no(a) outro(a) relativamente a mim.
O que eu espero é a ausência de barreiras, é poder prosseguir um caminho como quem percorre uma praia sem ter de estar sempre a mirar a areia, no medo de se espetar numa agulha infectada (infelizmente a realidade está cheia de agulhas infectadas).
A disponibilidade real para o outro não conhece classificações, nem barreiras. Por isso muito do que se escreve sobre a amizade, o amor, etc., são em geral banalidades ou tretas.
O que eu (cada um de nós) quero (quereria) era encontrar no outro o meu desejo de mim, ou seja, a receptividade absoluta, o encaixe perfeito: a expectativa de um mim que eu próprio desconheço, e que esse olhar "apaixonado" (intensamente interessado) do outro me devolveria, me revelaria. O que eu quero é ver-me num espelho antes do "espelho inicial" me ter cindido em (pelo menos) dois.
Como sei que existem milhares, se não milhões, de potenciais interlocutores no mundo, que não me conhecem e que não conheço, necessito de "me publicar", de me tornar "figura pública", não sobretudo por vaidade ou narcisismo primário (credo!), mas pela vontade de chegar até essas redes de inter-relação verdadeiramente densas de sentido, de sentido emocional e intelectual (malditas dicotomias).
Questão de escala: o que eu procuro, ao fugir dos encontrozinhos, das amizadezinhas, das cumplicidadezinhas, das famíliazinhas, das emoçõeszinhas... é, como todos os que se identificam com esta sensação de ansiedade pela grandeza, pela completude, um mundo em que não haja contemplações para com a mediania, o entretenimento vulgar, a pendular movimentação, quotidiana, entre o trabalho e o conhaque.
E depois temos as inevitáveis e omnipresentes pequenas seduções ensaiadas, o consumismo do outro, o mascar e deitar fora, a mania que muitas mulheres (agora?) têm de que basta um piscar de olhos e lá vai o macho atrás... oh, meu deus, que penúria, que miséria! Um macho era bom para puxar carroças no tempo em que elas existiam, minhas!
Sejam mais subtis, por amor de deus! Deixem de estar obcecadas pela imagem, por esses tiques ridículos da chamada "feminilidade".
Vocês atraiem muito mais sendo apenas pessoas interessantes, não precisam sequer de ser giras.
Ainda não perceberam, vocês que acham a maior parte dos homens brutos e se acham a vós próprias muito subtis?
A não ser que queiram apenas encontrar "machos" e resolver problemas de "higiene sexual", como qualquer necessidade fisiológica urgente. Estão no vosso direito, boa curtição.
Nós, os convencionalmente classificados homens heterossexuais (...), também estamos a fazer a nossa revolução silenciosa, o nosso processo de nos autonomizarmos do vosso poder ancestral!
É um mito a superioridade universal masculina, nós homens estamos presos de imensos fantasmas que frequentemente vocês desconhecem.
A obsessão por exemplo da virilidade (vista como função maquínica, como desempenho perfeito), a preocupação, inoculada pela medicina, da "disfunção eréctil", por exemplo. Tal expressão, na sua obscenidade, diz tudo. Isso é que é pornográfico no sentido pejorativo, e não uma pessoa excitar-se com uma imagem que lhe dá gozo, sem prejudicar ninguém. Que enorme hipocrisia rodeia todos estes temas, que fazem a riqueza (não humana, financeira) dos psiquiatras, sexólogos, etc!
Às vezes transmito uma ideia a uma pessoa e essa pessoa não percebe que lhe estou a fazer uma declaração de amor.
É como se as coisas fossem sapatos numa sapataria, tudo arrumadinho, tudo consoante o modelo, tudo conforme, tudo de acordo com as caixinhas (ou caixões?) em que repousam, à espera do consumidor, do momento próprio. Porque há um momento próprio para tudo: trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.
Que miséria, que cansaço!
(Apetecia-me dizer um impropério popular, mas contenho-me).
7 comentários:
Corrosivo...
Laura M.
Mas (julgo que) não sou má pessoa... corro, corro, mas não magoo!
(creio...)
E com este texto conseguiu "convencer-me" a comentar (caro professor). Julgo que de um modo muito explicito conseguiu neste texto espelhar o "tecido social" contemporâneo... Corrosivo?! não creio, apetece antes dizer Incisivo!
Abraço
Obrigado Mauro. Um comentário é muito importante porque é o estímulo para continuar a queimar a vista em frente ao écrã, é a confirmação do(a) interlocutor(a).
Um grande abraço. Bom 2008!
De facto depois de uma quadra festiva tão fútil com o Natal, ler um texto destes.......é uma baforada de ar puro para os nossos neurónios :)
Este blogue é terapêutico!
Parabéns pela capacidade de chegar até nós interlocutores!
"Àa vezes transmito uma ideia a uma pessoa e essa pessoa não percebe que lhe estou a fazer uma declaração de amor."
Laura M.
Percebi.
Enviar um comentário