sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

circo





há dias em que o corpo se tem de erguer
fincando bem um braço na base da manhã.

contra o ar, contra as palavras, contra a inércia
dos móveis, o corpo tem de se erguer, potente.

contra a complacência, contra a gravidade.
subir da manhã até à noite pelas cordas,
pelos trapézios da alegria.

até à hora de acender as velas, de abrir a boca
para tentar apanhar-te em movimento.
ao encontro do teu hálito como um sólido.

e ainda que o toque dos teus cabelos seja apenas
um breve momento, subir e descer por ele
com o corpo todo esticado.

sentir as razões das horas lentas
trepar-me pelo peito; lançar-me com jeito
para o outro lado da cúpula.

ver acender e apagar continuamente as luzes.
apartar o teu corpo dos adereços,
como quem separa a clara da gema.

e com aquele gesto bem treinado, dominar
a manhã com o corpo todo fincado,
subir pelas horas, cruzar-te toda de espadas.

e ressuscitar-te na luz das espáduas;
lançando à minha frente o sexo como um pássaro
em busca da tua sucção, do teu trapézio forte.

abrir em cima de cada vela, de cada trampolim,
os augúrios do dia feliz, apesar de tudo.
fazer entumescer os pássaros até à dor.

há dias em que o tecto do circo
tem de ser feito de falos azuis, pénis felizes
em perfeito equilíbrio, segurando a noite,
a atenção do público, as tuas palmas.

esta arquitectura, esta reacção contra todas
as mordaças das horas, das cordas que se nos enovelam,
das écharpes pendentes.

erguer as forças com toda a força.
acima das cabeças das pessoas.
abrir bem as pernas sobre os pavores
da doença, cravar cada prego no seu sítio.

fundo. até os olhos não poderem mais.
preenchendo impulsos primários.
subir pelas cordas dos genitais.



voj 2007







Fotos: Matt Haber
Fonte: http://www.matthaber.com/

3 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

h.era
"esta arquitectura, esta reacção contra todas
as mordaças das horas, das cordas que se nos enovelam,
das écharpes pendentes."

_____________


E as palavras dançavam como


Isadora Duncan.

Despidas.


_________


Abraço.


Belíssimo o seu poema.

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado.
Apetecia conhecer muitas de que a i.d. foi a precursora...
___________

NB- As mensagens removidas não são por mim, mas pelo(a) autor(a) delas.