Procurávamos o verão.
Não era fácil, porque todos os seus sinais se tinham desvanecido entre as ervas altas, o ruído das aves, o crescimento das árvores, o som dos violinos. Tudo isso esvoaçava em pedaços numa dança cómica e se confundia numa atmosfera que nunca tínhamos até então respirado. Os corpos estavam nus mas não ajudavam em nada à decifração.
Eu dantes gostava de descer as escadas da casa e saber para onde me dirigia: uma álea por cada azimute, no meio de grandes choupos. Mas isso foi na infância, quando usava sapatos de verniz.
Gostava de saber, quando erguia a mão com a luva bordada a prata, quantos estariam dispostos a seguir-me. Quais os músicos de que podia dispor, quantas carruagens, quantas mulheres, quantos milhafres, quantos cavalos – essa contabilidade, a logística certa. Porém, agora as tardes tinham-se confundido com pedaços de histórias diferentes, os corpos nus já não traziam nenhuma estação nos sovacos ou nas virilhas.
Pensámos: eis uma nova dificuldade que temos de vencer. E começámos a subir uma colina sem qualquer mapa, apenas guiados pelos sulcos das máquinas que lavraram a terra toda. Nao sei de momento há quantas décadas se passou isso, mas acho que já nascemos a subir para qualquer lado, para múltiplos cumes que nos apontaram, dizendo: ide, está lá em cima o verão. E até agora fomos sempre enganados, andando a tentar perceber quem o fez e como.
A maior parte das coisas que crescem ou se atrofiam não dependem de nós. Vemos apenas as páginas do calendário encherem-se de sombras, de folhas e de ramos. E as cores dos dias vão variando, sem que o nosso esbracejar tenha qualquer influência.
Sonhei algures que o braço da minha companheira, uma vez entrelaçado no meu, formava o brasão da nossa família - um fundamento, uma origem. Pelo meio passava o mesmo vento que agitava os cereais, mas também aí pousavam os olhos verdadeiros, os da águia, os do lince, os olhos metálicos que não mentem no seu orgulho natural.
E com essas e outras prováveis fantasias o corpo me envelheceu, e dei com o meu espírito no meio do campo, atirado ao sol, muito lúcido.
Sempre com a mesma pergunta em mente.
_________________Não era fácil, porque todos os seus sinais se tinham desvanecido entre as ervas altas, o ruído das aves, o crescimento das árvores, o som dos violinos. Tudo isso esvoaçava em pedaços numa dança cómica e se confundia numa atmosfera que nunca tínhamos até então respirado. Os corpos estavam nus mas não ajudavam em nada à decifração.
Eu dantes gostava de descer as escadas da casa e saber para onde me dirigia: uma álea por cada azimute, no meio de grandes choupos. Mas isso foi na infância, quando usava sapatos de verniz.
Gostava de saber, quando erguia a mão com a luva bordada a prata, quantos estariam dispostos a seguir-me. Quais os músicos de que podia dispor, quantas carruagens, quantas mulheres, quantos milhafres, quantos cavalos – essa contabilidade, a logística certa. Porém, agora as tardes tinham-se confundido com pedaços de histórias diferentes, os corpos nus já não traziam nenhuma estação nos sovacos ou nas virilhas.
Pensámos: eis uma nova dificuldade que temos de vencer. E começámos a subir uma colina sem qualquer mapa, apenas guiados pelos sulcos das máquinas que lavraram a terra toda. Nao sei de momento há quantas décadas se passou isso, mas acho que já nascemos a subir para qualquer lado, para múltiplos cumes que nos apontaram, dizendo: ide, está lá em cima o verão. E até agora fomos sempre enganados, andando a tentar perceber quem o fez e como.
A maior parte das coisas que crescem ou se atrofiam não dependem de nós. Vemos apenas as páginas do calendário encherem-se de sombras, de folhas e de ramos. E as cores dos dias vão variando, sem que o nosso esbracejar tenha qualquer influência.
Sonhei algures que o braço da minha companheira, uma vez entrelaçado no meu, formava o brasão da nossa família - um fundamento, uma origem. Pelo meio passava o mesmo vento que agitava os cereais, mas também aí pousavam os olhos verdadeiros, os da águia, os do lince, os olhos metálicos que não mentem no seu orgulho natural.
E com essas e outras prováveis fantasias o corpo me envelheceu, e dei com o meu espírito no meio do campo, atirado ao sol, muito lúcido.
Sempre com a mesma pergunta em mente.
Foto: Jim Furness
Fonte: http://www.jfphotography.net/
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