quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

mesmo



por vezes queria abrir isso
como um fruto;

apartar os bolbos,
com as duas mãos abrir pelo meio
com casca e tudo

por vezes queria ir ao mais fundo
sem perguntas pelo meio
com nojo e tudo

por vezes queria rachar uma noz
que tivesse crescido em polpa

e ao meio levantasse um poço
onde a voracidade se desprevine

por vezes queria trabalhar de novo
só com mãos, erguer um cavalo,
uma hóstia sangrenta

uma manhã eucarística
cheia de folhos e penas e saias e asas
em pleno campo, ao meio, no poço

a minha mística tem os pés
assim sujos de terra,
e flores primitivas, árduas,

que crescem entre os dedos,

no esplendor solar das abóboras,
no seu interior adivinhado,
emaralhando-se nos caules.

enquanto no horizonte as cortinas
dançam num apelo eterno,
num cântico ininterrupto,
quase em agonia,
escondendo talvez os bolbos,
as invisíveis dilatações:

volta, volta, racha-nos
com toda a possível

brutalidade.

mesmo ao meio.

e repetem, repetem incansavelmente,
e de cada vez que o fazem toca um sino;

e dá-se a erecção subtil das forças,
das nervuras, das veias.

talvez isso
não possa durar sem ser aberto,

alvo de uma esplendorosa
profanação.

ser pegado em mãos,
erguido repetidamente no ar:
sanctus, sanctus, sanctus.

um poço: um templo; uma liana
que caminha sobre os séculos.

nada de corpo, apenas a coisa
em si, a geometria dos campos,
as forças, as fórmulas tensas
de resolução:

uma necessidade absoluta
de destruição, no âmago.

uma figura totalmente violada;
irreversivelmente.

e no entanto
sempre ausente,
mesmo ao centro.


voj 2007

Fonte da foto: http://www.pjreptilehouse.com/
autor: mark pj reptilehouse

4 comentários:

Anónimo disse...

o poema é lindissimo...

Vitor Oliveira Jorge disse...

Obrigado: respondo eu à face oculta.

Anónimo disse...

basta saber que sou uma grande admiradora sua...

Vitor Oliveira Jorge disse...

Você decide...e obrigado.