A principal desilusão, para mim, numa mulher que me atrai, consiste em eu descobrir o carácter efémero dessa atracção.
Isto como é evidente não significa em nada a desvalorização da pessoa em causa, da pessoa em si. Tem a ver com uma subtilíssima relação de equilíbrio (ou desequilíbrio) entre mim e essa pessoa, ou seja, com algo que acontece (porque mesmo quando neste mundo quase nada acontece, algo acontece sempre) que desmonta, que desfaz, esse "ponto" de atracção, "ponto" que eu precisamente não sei qual é.
E é por eu não saber qual é que a mulher me atrai. Ou até que a sua simples imagem me atrai.
Porque quando falo de mulher, não estou necessariamente a referir-me a uma realidade presencial. A presença da pessoa não é obrigatória na atracção (pode ser só a sua voz, por exemplo). Nós nunca nos interessamos por pessoas, isso é um mito romântico e ingénuo. Ver outra postagem posterior...
Nós não sabemos qual o momento, ou o lugar, ou a expressão, ou a alusão, ou em geral o fragmento relacional que na pessoa "fatalmente" nos atraíu. Por um segundo? Por umas horas ou dias ou semanas ou meses?...
A atracção baseia-se nesse "punctum" rodeado de escuridão, nesse orifício indescritível, aureolado de mistério. Por isso nada de mais cansativo do que as perguntas:
- o que é que vês em mim para sentires atracção por mim?
- em que é que alguma qualidade minha justifica o teu interesse, afecto, ou atracção por mim?
- por que é que gostas de mim?
Deuses meus, gostar de uma pessoa é não saber porquê. Desejar alguém não tem uma explicação; a explicação mata o desejo, é um terceiro elemento que racionaliza e cresta aquilo que é apelativo como um íman, e da ordem do mandato ao qual não se pode deixar de responder "sim".
O objecto do desejo ordena-me que eu o siga, e eu não sei por quê. Quando começo a "racionalizar" e a descrever as qualidades (quaisquer que sejam) da pessoa, estou já distante da "atracção inicial" por ela. Qualquer justificação do desejo (do amor) é a sua exclusão.
Quando o amante dirige um apelo de amor à amada, ele está já a dizer-lhe adeus. Incluída na ordem do discurso, na ordem do verbo, a amada perdeu nesse derrame simbólico o seu "punctum", aquilo que fatalmente atraía para si o seu amante.
Se o trauma da desilusão é constituinte da vida de todos os dias, podia dizer-se, ele é constituinte do sujeito.
Quando os papéis do masculino e do feminino pareciam estáveis, era talvez mais fácil gerir a desilusão do que hoje. Mas isso pode ainda ser uma ilusão minha, por muita história que estude...
A mulher emergiu recentemente no espaço público de forma inaudita, como um sujeito activo, politicamente enunciador do seu desejo, e em muitos casos utilizando a tradicional astúcia da "publicamente" dominada para dominar o pólo masculino em todos os planos.
Muitas mulheres ainda não se libertaram da des-ilusão que lhes causa não obterem resposta automática ao seu apelo atractivo.
O feitiço, em parte, pode voltar-se contra o feiticeiro. Julgando-se infalíveis na "mascarada" da feminilidade (usando muito as metamorfoses do corpo e outras performances), certas mulheres não se cansam de repetir uma série de tiques que são afinal a projecção daquilo que o homem supostamente quereria ver nelas, ou seja, daquilo que elas quereriam ver no olhar do homem ao querê-las.
E o homem muitas vezes convence-as, por uma questão de "bondade", de que elas estão a ter mesmo êxito, ou seja, de que é aquilo que ele quer, de que se mantém nele uma certa estabilidade do interesse, que na realidade há muito esfriou.
Que "bondade" é essa? No amor e no seu irmão gémeo, o ódio, não há bondades. Estamos aqui no coração do sujeito, do ser-para-a-morte, do tudo ou nada, no jogo da mais absoluta impiedade e violência. Nada pois de "criancices".
Então por que usei a angélica palavra "bondade"? Apenas para exprimir a vontade que às vezes existe de manter a ilusão do outro, porque ela, a ilusão, é preferível ao confronto que se seguiria.
O amor é uma questão de comodidade, de logística sentimental (por exemplo expressa ao transe no "viver juntos" ou no casamento laico, e de forma paródica, para mim, no casamento ritual e abençoado - mas cada um(a) tece as linhas com que se cose...) eu preciso de investir num objecto fixo para poder estar só e aquietado, para poder dedicar-me a mim.
Se o outro está perturbado (por exemplo, des-iludido) e me interpela, eu perco o sossego de que necessito para procurar um novo "punctum", para me projectar numa nova fantasia. As fantasias são fúteis, são evasivas, são rebeldes.
Neste subtil jogo de pingue-pongue, por assim dizer, as coisas são mesmo muito complexas. Por isso alguns disseram que a arte é capaz de as expressar melhor do que o pensamento reflexivo.
A psicanálise ajuda-nos. Alguma psicologia certamente também (de muita outra é de fugir a sete pés).
Mas é talvez no "indizível" da obra de arte, naquilo que nela escapa à cartografia do "punctum", que se atinge mais o ponto onde as figuras transbordantes podem emergir, e os músculos do desejo contrairem-se e esticarem-se quase até à sua completa fragmentação.
Este desejo é alimentado pela fantasia, que traça a linha de horizonte que habitamos: sempre móvel, sempre insatisfeita, sempre projectando num futuro, que não viveremos decerto, o preenchimento de um vazio que é o que nos faz gozar.
Quer dizer, procurar o "punctum." Até à morte.
De des-ilusão em des-ilusão, até ao esgotamento.
A morte é a oclusão do "punctum".
Felizes os que se libertaram, sobretudo aqueles para quem o desvanecimento aconteceu como um ocaso de uma vida cheia e feliz.
Esses podem dirigir-se ao firmamento exangue, e num último alento, pronunciar:
"Nada, aquele que a ti vai finalmente regressar, no teu seio mergulhando para sempre, aquele que nunca pediu para de ti sair, ser descolado e posto neste mundo danado, te saúda."
Grandeza do que não morre velho, decrépito e deformado, suprema dignidade do que se entrega, vivo, com as veias todas em vibração máxima, à sua própria aniquilação.
Essa é a dignidade do ser humano, a beleza do seu rosto quente enfrentando o frio eterno do cosmos.
Absolutamente confortado com todos os sacramentos da solidão mais absoluta, com a deserção definitiva das imagens, com a libertação para sempre da espiral do desejo, da vida miserável.
___________
Fotos: Martin Junius
Fonte: http://photo.m-j-s.net/
Isto como é evidente não significa em nada a desvalorização da pessoa em causa, da pessoa em si. Tem a ver com uma subtilíssima relação de equilíbrio (ou desequilíbrio) entre mim e essa pessoa, ou seja, com algo que acontece (porque mesmo quando neste mundo quase nada acontece, algo acontece sempre) que desmonta, que desfaz, esse "ponto" de atracção, "ponto" que eu precisamente não sei qual é.
E é por eu não saber qual é que a mulher me atrai. Ou até que a sua simples imagem me atrai.
Porque quando falo de mulher, não estou necessariamente a referir-me a uma realidade presencial. A presença da pessoa não é obrigatória na atracção (pode ser só a sua voz, por exemplo). Nós nunca nos interessamos por pessoas, isso é um mito romântico e ingénuo. Ver outra postagem posterior...
Nós não sabemos qual o momento, ou o lugar, ou a expressão, ou a alusão, ou em geral o fragmento relacional que na pessoa "fatalmente" nos atraíu. Por um segundo? Por umas horas ou dias ou semanas ou meses?...
A atracção baseia-se nesse "punctum" rodeado de escuridão, nesse orifício indescritível, aureolado de mistério. Por isso nada de mais cansativo do que as perguntas:
- o que é que vês em mim para sentires atracção por mim?
- em que é que alguma qualidade minha justifica o teu interesse, afecto, ou atracção por mim?
- por que é que gostas de mim?
Deuses meus, gostar de uma pessoa é não saber porquê. Desejar alguém não tem uma explicação; a explicação mata o desejo, é um terceiro elemento que racionaliza e cresta aquilo que é apelativo como um íman, e da ordem do mandato ao qual não se pode deixar de responder "sim".
O objecto do desejo ordena-me que eu o siga, e eu não sei por quê. Quando começo a "racionalizar" e a descrever as qualidades (quaisquer que sejam) da pessoa, estou já distante da "atracção inicial" por ela. Qualquer justificação do desejo (do amor) é a sua exclusão.
Quando o amante dirige um apelo de amor à amada, ele está já a dizer-lhe adeus. Incluída na ordem do discurso, na ordem do verbo, a amada perdeu nesse derrame simbólico o seu "punctum", aquilo que fatalmente atraía para si o seu amante.
Se o trauma da desilusão é constituinte da vida de todos os dias, podia dizer-se, ele é constituinte do sujeito.
Quando os papéis do masculino e do feminino pareciam estáveis, era talvez mais fácil gerir a desilusão do que hoje. Mas isso pode ainda ser uma ilusão minha, por muita história que estude...
A mulher emergiu recentemente no espaço público de forma inaudita, como um sujeito activo, politicamente enunciador do seu desejo, e em muitos casos utilizando a tradicional astúcia da "publicamente" dominada para dominar o pólo masculino em todos os planos.
Muitas mulheres ainda não se libertaram da des-ilusão que lhes causa não obterem resposta automática ao seu apelo atractivo.
O feitiço, em parte, pode voltar-se contra o feiticeiro. Julgando-se infalíveis na "mascarada" da feminilidade (usando muito as metamorfoses do corpo e outras performances), certas mulheres não se cansam de repetir uma série de tiques que são afinal a projecção daquilo que o homem supostamente quereria ver nelas, ou seja, daquilo que elas quereriam ver no olhar do homem ao querê-las.
E o homem muitas vezes convence-as, por uma questão de "bondade", de que elas estão a ter mesmo êxito, ou seja, de que é aquilo que ele quer, de que se mantém nele uma certa estabilidade do interesse, que na realidade há muito esfriou.
Que "bondade" é essa? No amor e no seu irmão gémeo, o ódio, não há bondades. Estamos aqui no coração do sujeito, do ser-para-a-morte, do tudo ou nada, no jogo da mais absoluta impiedade e violência. Nada pois de "criancices".
Então por que usei a angélica palavra "bondade"? Apenas para exprimir a vontade que às vezes existe de manter a ilusão do outro, porque ela, a ilusão, é preferível ao confronto que se seguiria.
O amor é uma questão de comodidade, de logística sentimental (por exemplo expressa ao transe no "viver juntos" ou no casamento laico, e de forma paródica, para mim, no casamento ritual e abençoado - mas cada um(a) tece as linhas com que se cose...) eu preciso de investir num objecto fixo para poder estar só e aquietado, para poder dedicar-me a mim.
Se o outro está perturbado (por exemplo, des-iludido) e me interpela, eu perco o sossego de que necessito para procurar um novo "punctum", para me projectar numa nova fantasia. As fantasias são fúteis, são evasivas, são rebeldes.
Neste subtil jogo de pingue-pongue, por assim dizer, as coisas são mesmo muito complexas. Por isso alguns disseram que a arte é capaz de as expressar melhor do que o pensamento reflexivo.
A psicanálise ajuda-nos. Alguma psicologia certamente também (de muita outra é de fugir a sete pés).
Mas é talvez no "indizível" da obra de arte, naquilo que nela escapa à cartografia do "punctum", que se atinge mais o ponto onde as figuras transbordantes podem emergir, e os músculos do desejo contrairem-se e esticarem-se quase até à sua completa fragmentação.
Este desejo é alimentado pela fantasia, que traça a linha de horizonte que habitamos: sempre móvel, sempre insatisfeita, sempre projectando num futuro, que não viveremos decerto, o preenchimento de um vazio que é o que nos faz gozar.
Quer dizer, procurar o "punctum." Até à morte.
De des-ilusão em des-ilusão, até ao esgotamento.
A morte é a oclusão do "punctum".
Felizes os que se libertaram, sobretudo aqueles para quem o desvanecimento aconteceu como um ocaso de uma vida cheia e feliz.
Esses podem dirigir-se ao firmamento exangue, e num último alento, pronunciar:
"Nada, aquele que a ti vai finalmente regressar, no teu seio mergulhando para sempre, aquele que nunca pediu para de ti sair, ser descolado e posto neste mundo danado, te saúda."
Grandeza do que não morre velho, decrépito e deformado, suprema dignidade do que se entrega, vivo, com as veias todas em vibração máxima, à sua própria aniquilação.
Essa é a dignidade do ser humano, a beleza do seu rosto quente enfrentando o frio eterno do cosmos.
Absolutamente confortado com todos os sacramentos da solidão mais absoluta, com a deserção definitiva das imagens, com a libertação para sempre da espiral do desejo, da vida miserável.
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Fotos: Martin Junius
Fonte: http://photo.m-j-s.net/
13 comentários:
Mas o Vítor é "casado",de resto com uma mulher absolutamente fantástica e bonita, se me permite. Como entende o seu casamento à luz das palavras que aqui deixou "reflectidas"? Há uma mulher na sua vida que mantem a supremacia sobre todas as outras des-ilusoes e isso é por demais bonito, parece-me.
Este blogue, como é evidente, não é um confessionário... e se fôssemos para a problemática da confissão, muito haveria a dizer.
Mas a sua questão, querendo ser maliciosa, é ingénua, ou seja, a sua malícia encontra-se (ainda?) num estado de (encenada?) ingenuidade...
:) Interesso-me bastante por pontos nevrálgicos...
Este blogue, como é evidente, tem por vezes contornos de confessionário, intencionalmente ou não (ingénua ou maliciosamente), nao sei...mas isso torna-o um blogue bonito.
Acima de tudo tentei fazer um elogio agri-doce à suprema presença de algumas pessoas na vida de algumas pessoas, no fundo, ao que as mantém. Sinceramente!
Qual é o "eu" que fala num blogue? Quem é o Vítor Oliveira Jorge? O que é um blogue bonito? O que é um confessionário, quais as várias acepções em que pode ser tomado?...
Também eu gosto de pontos nevrálgicos dos outros. Mas há aqui uma dissimetria: é que eu não sei quem é o anónimo, e sei que se me escreve para aqui também está a encenar-se de uma certa maneira, em público... Assim, é com se eu fosse um cego a falar para outro que se escondeu por detrás da cortina do teatro... ou do divã?
Todo este blogue procura ter uma certa autenticidade, e esse seu reconhecimento merece, da minha parte, um obrigado. Mas se você me conhecesse bem, e se eu pudesse falar como Vítor Oliveira Jorge biográfico (e não autor de blogue), veria que toda a minha vida se pautou por uma coisa que um dia o Jorge Borges de Macedo, meu ilustre professor, pôs numa dedicatória a um livro que me ofereceu (no tempo em que professores e aunos eram duas "raças" separadas): "ao VOJ, pela sua procura da insofismável verdade."
Não me faça rir. Desde à uns dias para cá que tem vindo a tentar desmotivar todos os anónimos que escrevem neste blogue como que ser anónimo na internet seja uma espécie de praga.
Bom, não querendo desviar a conversa para este assunto incontornável só tenho a dizer que esse seu texto da desilusão daria muito que falar se as pessoas se dessem ao trabalho de escrever, anónimas ou não e com certeza que a opinião delas (pois todo o texto não passa de uma opinião tão válida como qualquer outra)seria tão interessante como a sua. Quanto a mim prefiro acreditar nas pessoas e no amor e ingénuo ou não prefiro acreditar que o que nos liga às pessoas são as pessoas e sua individualidade em cada uma delas. Um dia vemos as pessoas de uma cor noutro de outra e todas as cores de certo modo nos interessam pois apenas com essa variação de cor aprendemos a ser quem somos.
E o que é interessante no seu blogue é ver a quantidade de máscaras, de efeitos e de cores, e ainda ontem eu me questionava se ler o seu blogue enriquecia ou não o meu conhecimento em relação a si.
Às vezes penso que sim outras vezes penso que não, mas certamente o seu conhecimento em relação a mim não se altera. Nada me garante que se o meu nome viesse escrito por baixo do que eu escrevo a minha opinião fosse por si valorizada ou você viesse a pensar que me conhecia melhor ou que tivesse, sequer, esse interesse.
Por isso porquê ter que escrever um nome, afinal não estamos num confessionário...
Isto dos anonimatos... as pessoas podiam ao menos escolher uma alcunha, porque assim, pressupondo eu que escolheriam sempre a mesma, eu teria uma ideia de a quem estou a responder às cegas.
O último anónimo "denunciou-se" um pouco pelo estilo e pela maneira de escrever, inclusive usando mal o verbo haver (à em vez de há). Pois claro que o texto é apenas uma reflexão opinativa e subjectiva. O lugar comum do que "o que importa são as pessoas" escamoteia a questão, essa mportante, do que é o sujeito e o estatuto do sujeito, porque pessoa como se sabe se liga a persona, a máscara, a figura teatral, o "character", portanto algo de encenado. O que me importa é a questão mais interessante do sujeito. O que é o sujeito do conhecimento, no seu sentido mais integral, o sujeito vivo? Nem ele o sabe, o sujeito é uma realidade repartida, fracturada, como toda a a modernidade nos mostrou e reflectiu,sendo isso um lugar comum. Leia-se porf exemplo Zizek, Butler e Laclau e a sua discussão em torno do sujeito: livro publicado em 2000, "Contingency, Hegemony, Universality: Contemporary Dialogues on the Left", London and New York, Verso.
Importa transformar a tendência para a ridicularia dos blogues em algo de um pouco mais denso...
Mais uma achega (de um ignorante que passa a vida a estudar).No livro de Tony Myers, "Slavoj Zizek", London, Routledge, 2003, integrado na magnífica e utilíssima colecção (sobretudo para iniciados como eu) "Critical Thinkers" (haveria que ler a colecção tods, ou quase), a determinada altura, nas leituras recomendadas (muito útil secção porque resume cada um dos livros do autor), diz-se isto a propósito de um livro drtigido por Zizek e editado em Durham pela Duke University Press em 1998: COGITO AND THE UNCONSCIOUS: "At the heart of Zizeks's essays [neste livro] is his central thesis that the subject is the "monster" which remains when we substract subjectivity, or the wealth of self-experience, from what he terms the "human person". (p. 135). Mas eu não li o livro,e toda esta terminologia levanta muitos problemas. Além de que não sou filósofo... pode-se aplicar a mesma palavra, claro, em inúmeros sentidos e há que ver o contexto específico de cada sentido, que inclusivamente varia de momento para momento na obra de qualquer autor criativo...se não fosse esta complexidade e riqueza das coisas,não havia bicho-careta que nao dissertasse sobre qualquer assunto. Como frequentemente acontece, e muito possivelmente também comigo. Mesmo assim vou fazer possivelmente uma pequena nuance na postagem, que aliás já quando a tinha ublicado me ocorreu... o tempo é que não chega para a gente apurar as coisas.
“Qual é o "eu" que fala num blogue? Quem é o Vítor Oliveira Jorge? O que é um blogue bonito? O que é um confessionário, quais as várias acepções em que pode ser tomado?...”
O eu que fala num blogue é exactamente o mesmo que faz tudo o resto. Como se pode dividir “eus” em partes? Ainda que eu mascare e encene “eus”, esses “eus” serei sempre apenas eu!!!Não? Tal como corpo e mente são indissociáveis, natureza e cultura, blá blá e etc de que tanto por aqui já se falou. Quem é o Vitor Oliveira Jorge? É o Vítor Oliveira Jorge (entendido como “linhas” e não como um “ponto”). Um blogue bonito é um blogue que me induz em imagens de êxtase, que me induz a pensar e que está imbuído de um carácter de “verdade”. Quanto ao termo confessionário utilizei-o não no sentido de indulgência ou remissão, mas de nudez ou libertação pela introspecção. Invento-lhe acepções, de entre as demais mil que pode ter.
“Mas há aqui uma dissimetria: é que eu não sei quem é o anónimo, e sei que se me escreve para aqui também está a encenar-se de uma certa maneira, em público... Assim, é com se eu fosse um cego a falar para outro que se escondeu por detrás da cortina do teatro... ou do divã?”
Percebo a dissimetria, claro. Mas, por credos mil, entao dois cegos não comunicam? Percebo a desvantagem que sente. Eu posso conhecê-lo e portanto associar ao seu discurso tudo o mais que penso e imagino saber de si.E isso não tem de ser necessáriamente vantajoso pra mim. Mas a questão aqui é a de liberdade. Escolheu criar um blogue e identificar-se, eu tenho a liberdade de apenas aparecer sob a forma de um discurso, neste caso breves comentários. E as palavras que se escrevem comunicam elas próprias, não imagens ou ideias ou verdades fixas, mas induções ou esboços de sentidos. Bastam por si. Se são uma encenação minha? Claro que são. Como tudo mais que eu faça. No fundo somos até para nós próprios uma encenação de nós próprios. No meu “eu” enquanto teia emaranhada de linhas (no sentido de Ingold), cada linha é tão eu quanto o todo (infinito?) da teia – e isto já faz lembrar aquela história da santíssima trindade, em que cada parte é o todo e o todo são as partes, enfim...
E depois, falando das delícias ou prazeres e até da atracção, se “A presença da pessoa não é obrigatória na atracção (pode ser só a sua voz, por exemplo)” porque será necessário um nome num texto para que ele possa ser legítimo, atractivo e comunicativo? Existirá até um certo fascínio por detrás do anonimato. Como redescobrir por detrás da cortina ou do divã umvelho amigo ou amiga, ou conhecido, ou interessante desconhecido.
“O que é o sujeito do conhecimento, no seu sentido mais integral, o sujeito vivo? Nem ele o sabe, o sujeito é uma realidade repartida, fracturada, como toda a a modernidade nos mostrou e reflectiu,sendo isso um lugar comum.”
Tenho a lacuna de ainda não ter lido Zizek (e de na verdade ter lido ainda muito pouco do imenso que devia, queria, e raios se não hei-de, ler), mas só não consigo conceber “o sujeito do conhecimento” em primeiro lugar como algo distinguível do “sujeito” e em segundo lugar como algo cirscunscrito, isolável, e portanto identificável quer pelo próprio, quer pelos demais. Daí que mais do que como realidade repartida ou fracturada (embora entenda a ideia) consigo apenas ter uma ideia do sujeito enquanto linhas fluídas e entrelaçadas com as linhas dos demais sujeitos. Sendo que próprio sujeito apenas faz ideias de si próprio enquanto reflexos dos sujeitos dos outros, continuamente transmutáveis.
"ao VOJ, pela sua procura da insofismável verdade." - precisamente, a essência da beleza que percebo neste blogue.
O anónimo dos dois primeiros comentários
Vou ser breve, por razões práticas (devia estar a trabalhar!),mas também porque a disposição desta janela de comentários não me deixa ver o seu último, a que tento responder. Condicionalismos vários desta sociedade cujas tecnologias dde comunicação hão-de parecer aos vindouros como nos parecem agora as antigas máquinas de escrever.
Desde o seu primeiro comentário (já que o anónimo é sempre a mesma pessoa)que você procura "escavar" no sentido arqueológico a entidade que eu "enceno" no blogue.
No qual "pus" a minha cara - tal como era em 1990 - o meu nome, e o meu e-mail (você no seu último comentário aceita, e ainda bem, que o "eu" é sempre uma realidade encenada, e portanto você, se reparar bem, contradiz-se, porque se é encenada é múltipla, sendo que o nome de uma pessoa apenas dá uma unidade fictícia a ela mesma, coisa que nega no início do mesmo comentário).
Você procura, dizia eu, ir para além do que eu digo no blogue, para me levar a falar sobre o que são para mim campos estritos da minha privacidade. Como deve calcular, se eu desejar falar aqui dessa minha privacidade, do meu casamento, da minha mulher, ou de qualquer outro aspecto da minha vida particular, privada, só eu posso "moderar" e modular esse desejo e essa expressão, que mais não seria do que uma outra forma encenada de revelação, como são as fotos que aqui se incluem, or exemplo.
Não há um "eu real" (a não ser um corpo, um nome, uma morada, etc, mas isso identifica um eu? São ilusões empíricas da vida corrente. Que é identificação? Identificação está ligada ao Estado e ao controlo que este exerce sobre os cidadãos, basta ler Foucault) para além dos eus encenados,admitir essa redução fácil à unidade seria uma ingenuidade numa pessoa culta como você sem dúvida é...
O que se revela e não revela, o entreabrir das cortinas, nesse jogo está uma parte da beleza da vida. Admito que o blogue seja "bonito", como diz, no sentido de que as minhas várias encenações não visam magoar ninguém, aproveitar-me de ninguém, disfarçar-me de uma maneira que induza o leitor em erro (ora, como sabe bem, de disfarces está a vida cheia). Visam de facto comunicar, interrogar-me em púbico. Algum exibicionismo e narcisismo estão aí inerentes, claro. E por que não? Vou-lhe dizer qual a principal utilidade que julgo que este blogue tem para mim: o obrigar-me a regularmente escrever... sem essa obrigação, parte das coisas passa, embora as "boas ideias", partindo do princípio de que as re-conhecemos, sejam recorrentes. Tudo coisas que um conhecimento mínimo do que é o teatro torna banais...faço-me entender?...
Duas notas: cita o Ingold e parece que anda a ler (excelente seria que fosse traduzido e publicado cá...) o livro LINES. Se o ler, verificará que a maneira como o cita para o usar no contexto do que diz talvez seja abusiva... o Ingold é avesso a esses psicologismos... o novelo dele não vai dar aí. Ele não anda à procura de pessoas biográficas. E isso tem a ver com a segunda nota: parece estranho que uma pessoa com conhecimentos literários, quiçá elevados,como julgo poder deduzir dos seus comentários, pareça não ter pensado nesta fragmentação do "eu"contemporâneo. Basta ir a Fernando Pessoa, onde todos vamos beber, mas uma reflexão por exemplo sobre a autobiografia, e, em geral, sobre a filosofia inerente à enunciação, leva logo a esta consciência da multiplicidade.
O cidadão Vítor Oliveira Jorge existe, sou eu, sim. Mas isso que diz, que representa?... o meu BI, o meu cartão de contribuinte, a minha carta de condução, são eles os melhores, os mais fidedignos, elementos da minha identidade, da minha verdade? Depende do interlocutor. Para um GNR que me pede na estrada os documentos o importante são esses mesmo, para confirmar uma identidade administrativa que está incumbido de fiscalizar.E, no pólo oposto, o que eu posso dizer na intimidade a uma pessoa da minha vida privada, é esse o meu verdadeiro eu, é esse o verdadeiro "Vítor Oliveira Jorge"? Também é outra encenação, como é óbvio...a fixação a uma identidade é sempre algo de muito discutível e até perigoso, porque a identidade se prende ao Poder, e o que nós queremos é também ter algum poder, alguma privacidade, afinal... Além isso, se pensarmos bem, somos todos literalmente anónimos uns para os outros e, antes de tudo, para nós mesmos. Eu próprio não gosto nada do meu nome completo (Vítor Manuel de Oliveira Jorge) pelo que desde cedo sempre assinei os meus trabalhos com o nome que uso neste blogue, e não gosto de muitas outras coisas em mim, que vou tentando ultrapassar ou sublimar pelas vias mais diversas, como posso...
Já me alonguei demais! E se ofendi em algo, desculpe... os blogues levam-nos a escrever "telegramas" e a apresentar como certezas coisas sobre as quais temos dúvidas, mas aqui não é um espaço de argumentação aprofundada... isto é arte pop, apoiada nas novas tecnologias. Por isso é que um blogue não é convertível em livro, embora o que se escreve nele nos possa servir de apontamento ou de esquiço para muitos livros... se houver tempo!
Ou eu me engano muito ou existem aqui três pessoas diferentes como anónimos..
Susana
Pensando melhor ..dois anónimos: o primeiro, o segundo e o quarto podem ser a mesma pessoa.É o meu palpite, Vítor.
Eu gostava do contacto daquela menina que escreve poemas. A Hera ou lá como é. O professor não devia ser criticado, porque é uma pessoa de bem. Isto só em Portugal.
Rudolfo Martins
Menina que escreve poemas?... se é uma das comentadoras deste blogue,identificadas, encontra o site e o contacto facilmente.
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Eu estou aqui para ser criticado...claro que prefiro uma crítica com a qual aprenda algo. E ninguém gosta de ser agredido ou invadido na sua liberdade, ser por que maneira for.
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Em todo o lado existe boa e má gente, em toda a pessoa coisas boas e más. O mal e o bem foram a uma máquina de batidos... e deu uma bebida estranha...
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