às vezes respira-se a noite e as recordações fortes e dolorosas entram-nos pelas narinas, invadem-nos o cérebro com um iodo forte e irreprimível, como se ele nos lavasse o espírito e ao mesmo tempo depositasse dentro dos nossos canais interiores uma espécie de sedimento, um lodo de rio...
quantas vidas já vivemos e perdemos, por quantas cidades esquecemos a nossa matriz? em que águas boia ainda a nossa infância, a nossa juventude, a vida antes desta consciência permanente de que algo de muito antigo e muito essencial, reduzido a restos, está já a acabar, como as luzes da noite que se eclipsam numa espécie de rio de cintilações caminhando para a largueza do negrume?
a quantos limiares já nos encostámos, escutando o quê?
quantas mais noites serão ainda precisas, quanto tempo demora a desfocagem até à cegueira, e desta até à escuridão por dentro da retina?
o altar da cegueira, onde os anjos iluminados sobem uns sobre os outros até à cúpula do sonho, cantando Carissimi.
meu deus, por que me abandonaste? eu queria um circo mesmo grande, enorme, contigo a sorrir no topo celeste, todo iluminado e bem vestido, de faces rosadas, após teres ganho uma vez mais os aplausos de nós, público, mortais, os que vamos morrer e por isso nos (di)vertimos.
e nestas águas nos vertemos, nos vertemos como restos. olhando a nossa própria nostalgia a ser jogada pelas ondas, no seu vaivém, brincando das nossas perplexidades, brinquedos teus.
Avé, grande NADA, aqueles que vão morrer por causa de ti te saúdam, sabendo porém antes que tu te sentas magnífico no mais grandioso e ridículo dos tronos: o ABSOLUTO NADA DA GRANDE NOITE DO MUNDO.
Adeus, pai, morre de vez, deixa as águas negras afastarem-te para o fundo, e não levantes ainda uma vez o braço para mostrares o punho da camisa com o botão brilhante da águia. És caricato. No espelho dos teus olhos já desvanecidos vejo quanto sou ridículo.
Morre de vez, afunda-te.
Deixa-me ao menos aspirar o iodo, nesta cidade de todas as cidades, nesta ausência absoluta.
O grito do ser humano precisa de ser aspirado para cima, para todos os lados, a partir da tua ausência. Estás a mais, estás sempre presente e sempre a mais, fantasma que me assombras desde que nasci, corpo que mergulho pelo pescoço nas águas do tejo e no entanto reaparece mais adiante, de olhos vermelhos, grandes como ovas.
quantas vidas já vivemos e perdemos, por quantas cidades esquecemos a nossa matriz? em que águas boia ainda a nossa infância, a nossa juventude, a vida antes desta consciência permanente de que algo de muito antigo e muito essencial, reduzido a restos, está já a acabar, como as luzes da noite que se eclipsam numa espécie de rio de cintilações caminhando para a largueza do negrume?
a quantos limiares já nos encostámos, escutando o quê?
quantas mais noites serão ainda precisas, quanto tempo demora a desfocagem até à cegueira, e desta até à escuridão por dentro da retina?
o altar da cegueira, onde os anjos iluminados sobem uns sobre os outros até à cúpula do sonho, cantando Carissimi.
meu deus, por que me abandonaste? eu queria um circo mesmo grande, enorme, contigo a sorrir no topo celeste, todo iluminado e bem vestido, de faces rosadas, após teres ganho uma vez mais os aplausos de nós, público, mortais, os que vamos morrer e por isso nos (di)vertimos.
e nestas águas nos vertemos, nos vertemos como restos. olhando a nossa própria nostalgia a ser jogada pelas ondas, no seu vaivém, brincando das nossas perplexidades, brinquedos teus.
Avé, grande NADA, aqueles que vão morrer por causa de ti te saúdam, sabendo porém antes que tu te sentas magnífico no mais grandioso e ridículo dos tronos: o ABSOLUTO NADA DA GRANDE NOITE DO MUNDO.
Adeus, pai, morre de vez, deixa as águas negras afastarem-te para o fundo, e não levantes ainda uma vez o braço para mostrares o punho da camisa com o botão brilhante da águia. És caricato. No espelho dos teus olhos já desvanecidos vejo quanto sou ridículo.
Morre de vez, afunda-te.
Deixa-me ao menos aspirar o iodo, nesta cidade de todas as cidades, nesta ausência absoluta.
O grito do ser humano precisa de ser aspirado para cima, para todos os lados, a partir da tua ausência. Estás a mais, estás sempre presente e sempre a mais, fantasma que me assombras desde que nasci, corpo que mergulho pelo pescoço nas águas do tejo e no entanto reaparece mais adiante, de olhos vermelhos, grandes como ovas.
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