domingo, 15 de junho de 2008

ethos



Um blogue adapta-se demasiado bem à nossa actual maneira de pensar e de sentir, de ter ideias: são cintilações súbitas, coisas evanescentes, que procuramos agarrar num bloco-notas que só existe porque está a fugir para os outros, em comunicação. Estamos numa época mais da imagem que do texto, mais da metáfora do que da coisa em si, mais de poética do que da prosa, mais da intensidade do que da extensão (compactaram-nos). Uma época neo-barroca, desmedida, inacabada, transicional, fragmentada em zappings, em fascinações tão fulgurantes como rápidas. A estética do desaparecimento de que falava Virilio. A esteticização generalizada sob a forma de aceleração. A sedução da rapidez, porque a permanência (o que se chamava dantes a profundidade) gera rotina e desencanto, que não queremos encarar.

Mas esta adaptação do blogue é, como todas as adaptações, também o seu perigo. Corresponde demasiado às expectativas, ao desejo de "zapping" que nos habita, ao efeito de tipo "fashion". Passamos a vida a tentar fazer efeitos, tornámo-nos prestidigitadores, e tiramos mesmo por vezes coelhos da cartola. Mas vamos logo para o espectáculo seguinte, que este, por muito bom que tenha sido, já está.
Temível coisa esta de sabermos que é impossível estabilizar nalgum lado, nalgum momento, nalguma coisa ou pessoa. Aí, nesse vazio, os pássaros podem cantar, mas cantam qualquer coisa de imensamente elaborado, qualquer coisa que é mais de pássaro-máquina, do que daquele passarinho que acompanhava a felicidade e a inocência das antigas férias grandes, que não precisávamos de registar nem de contar a ninguém, com o ar de quem comunica uma experiência única, para serem grandes.
A obsessão do registo, de algo só valer se for partilhado (mas partilhado pelo outro como algo que ele ainda não tem, e por isso lhe queremos comunicar "a boa nova") trai-nos na nossa essencial perda, que nem se pode viver como nostalgia, porque isso seria demasiado fácil.


3 comentários:

jota disse...

Interessante este seu post.

Há um aspecto a que não se refere, embora percorra, implícito, todo o texto: a ânsia de reconhecimento e de aceitação pelo(s) outro(s); correlata do instantaneismo da comunicação virtual e do zapping a que se refere, esta necessidade quase constitutiva de ser visto, ouvido, lido e de "estar presente" é um dos traços mais distintivos destes tempos...e o "equilíbrio" possível face à atomização social hodierna.

Abraço.

signa.tumblr.com
scripta.wordpress.com

Vitor Oliveira Jorge disse...

Absolutamente de acordo! Debord e a sociedade do espectáculo... voltamos sempre aos mesmos autores...fundamentais. Vou mal possa consultar os seus sites.

ali_se disse...

Olá VITOR
Não concordo com o comentário de jota, embora hajam pessoas (em conceitos psicanalíticos e materialistas) que assim pensem, numa de estarem sempre a fazerem coisas à espera de pancadinhas nas costas, nem sempre é assim. E neste caso da blogosfera ou de um blogue (como seu) com um autor, que dá a cara e assumindo um compromisso primeiro com o que lhe vai na alma, aí pouco lhe importa as audiências, quem gosta ou quem não gosta.
E essa obsessão do registo, talvez não seja propriamente uma obsessão, mas sim uma qualquer nuvem poética que nos torna comunicáveis de muitas e enriquecedoras formas.
Um abraço