1ª estação
Inverno
Os sentidos reduzem-se a quartzo, feldspato e mica, e refugiam-se em conjunto, concentrados. Mas a sua face voltada ao tempo revela mesmo assim algumas das veias interiores, os sulcos por onde passam os sentimentos, abrindo as suas trajectórias, os seus sulcos, as suas escamações. Tudo isso se movimenta e expõe, numa pele que é afinal a de todos os seres procurando a unidade, o cristal primevo. Em irrequietude. Feita de encontros e desencontros, de trajectos sempre a iniciar-se, de forças sempre a abrir-se em duas margens, finas, subtis. Observamos, que mais podemos fazer? O inverno passa, mas não se pode penetrar nele.
2ª estação
Primavera
É mais nítido o ruído de fundo. Qual? O do crescimento das árvores, o da agitação da atmosfera fazendo a transição? O dos rios que começam a fluir? Não sei. Tudo se passa ainda demasiado por alto, ou muito por baixo, é indiscernível. Só os narizes dos adolescentes se dilatam e erguem, sorvem os pólens, escutam pássaros que saem das estampas para o ar e pousam nas árvores. Por vezes adoecem de expectativa, esses adolescentes, presas das sensações do crescimento, da transição. Mas se em geral são pueris como as flores, a verdade é que os troncos crescem, apesar de tudo. Ou precisamente talvez esteja nessa indecidibilidade o coração da vida: uma espécie de infantilidade necessária ao existir. Uma sexualidade que procura os órgãos, o seu funcionamento maquínico, natural. Algo se (re)produz, como as folhas e os ramos.
3ª estação
Verão
Claramente, esta é a estação das mulheres. Quando elas descem das montanhas para tomar banho. São sempre um apelo ao tacto, e mais que ao tacto: à vontade de rasgar pelo meio uma estação que aparece parada, demasiado arredondada pelo calor e pelo polimento das rochas, pela perfeição das formas redondas e dos seus interstícios cheios de odores fortes e acabados de lavar. A vegetação dobra-se sobre a mulher como uma moldura. A nudez torna-se arte; e o amor tem de se fazer, como se fosse uma tarefa ou um objecto, para que a estação viva, para que o rio corra, para que haja um fluido que de certo modo alivie a dilatação do verão. As mãos pousam-se sobre as linhas, como que a conter a voracidade dos insectos, a sua extrema apetência para, em poucos segundos, devorarem a perturbação nua do olhar. Mortífera pose, terrível con-tenção.
4ª estação
Outono
Dir-se-ia que os pés chegam aqui já demasiado cansados, cheios de chagas, e os olhos ardendo de tanta seiva que cai das árvores, sob a forma de folhas tremelicantes, que hesitam no ar. Os rios empapam as recordações que atapetam o chão; mas são recordações toldadas já pelo tempo declinante, pelo sol baixo, pelas cores das parras de um vermelho escuro de almofada de veludo. Se o céu parece abrir-se, a verdade é que os olhos apenas nele vêem uma brancura que começa a cristalizar, como se um grande quartzo leitoso se apoderasse do centro da realidade, e as forças da gravidade se acentuassem. Não sei. A verdade é que no peito no outono podem existir, em arco de colar, todas as pedras preciosas das estações anteriores. É a época em que as pessoas se fazem retratar, em poses que ficam sempre acima da vida quotidiana. Preparando um fim, que nunca admitem, claro, poder acontecer, pelo menos nos anos mais próximos. O outono é uma estação de deserção e de caminhadas. O corpo encosta-se a um tronco, e pensa no passado.
Outono
Dir-se-ia que os pés chegam aqui já demasiado cansados, cheios de chagas, e os olhos ardendo de tanta seiva que cai das árvores, sob a forma de folhas tremelicantes, que hesitam no ar. Os rios empapam as recordações que atapetam o chão; mas são recordações toldadas já pelo tempo declinante, pelo sol baixo, pelas cores das parras de um vermelho escuro de almofada de veludo. Se o céu parece abrir-se, a verdade é que os olhos apenas nele vêem uma brancura que começa a cristalizar, como se um grande quartzo leitoso se apoderasse do centro da realidade, e as forças da gravidade se acentuassem. Não sei. A verdade é que no peito no outono podem existir, em arco de colar, todas as pedras preciosas das estações anteriores. É a época em que as pessoas se fazem retratar, em poses que ficam sempre acima da vida quotidiana. Preparando um fim, que nunca admitem, claro, poder acontecer, pelo menos nos anos mais próximos. O outono é uma estação de deserção e de caminhadas. O corpo encosta-se a um tronco, e pensa no passado.
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voj 2008
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Fotos: Grace Ho
Fonte: http://www.graceoh.net/portfolio.html
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