domingo, 13 de janeiro de 2008

antes do antes




não desconheço que antes da palavra
está o silêncio.

não desconheço que a casa da palavra
está cheia de silêncio,
que é ele quem a mantém nessa erecção
até às abóbadas.

não desconheço que entre as palavras
entre as sílabas,
entre as letras
passam as asas anunciadoras
do silêncio que ainda há-de chegar.

não desconheço que não há limite
para o que ainda nos há-de maravilhar,
erguer, elevar do chão, nascer de dentro
dos materiais.

não desconheço o sémen da argila,
vermelho. vi a mulher erguida no ar.

e a sua boca já não se abria,
tinha-se esmigalhado em fragmentos,
em lábios procurando o suco das glandes;
tinha-se confundido com a luz
que nunca deve encarar-se.

vi a mulher erguida, dois eixos a elevavam
na plenitude da ascensão,
um pela frente, outro por detrás.
os troncos entre os quais
passava o silêncio,
as traves que permitiam chegar
ao cimo das glandes.

vi assim a mulher na cruz,
subindo ao longo do braço da cítara,
cheia em todos os seus orifícios.
e no entanto o silêncio,
os olhos muito abertos.

não desconheço esses fenómenos,
as cortinas vermelhas que antecedem
as palavras, as portas dos templos todas
fechadas. o ritmo dos passos que entre todas
há muito se ausentaram.
o choro.

o quebrar da cintura nua da jovem,
o bater da tabla nesse preciso intervalo.
o impacto do vento contra as palavras,
a anterioridade da dança,
os artifícios do corpo.

vi com os meus olhos como as mulheres
se contorciam sobre as cobertas
tão desalinhadas pelos seus movimentos
que pareciam areia em desalinho:
sei essa desordem, esse começo
da subida.

os troncos das tablas,
as espátulas batendo os pontos mais nervosos
do sentimento.

sei, e queria sair pelo fundo do texto
sem deixar rasto, nem casa,
nem janela de onde me vissem.

agarrar a papaia, o papo mesmo
da realidade.
e esmigalhá-lo sobre a boca,
de modo a inundar-me
desse sumo, dessa cola.

vendo subir para as cúpulas irreais
a mulher erguida pelos colossos,
a sagrada ascensão do sangue.

o corpo inicial, a emergência
da matéria
em toda a sua brutalidade.

o verter das taças, que, lançando-se
abruptamente na garganta
sufocam este delírio das palavras.


voj 2008
Foto: Ernesto Timor:
Fonte:
http://www.ernestotimor.com/pages/_01_unfixed00.html

6 comentários:

Anónimo disse...

"Um corpo inicial"



primitivo.



e vivo.


_____________/


belíssimo poema.& imagem.



Abraço para si.

Vitor Oliveira Jorge disse...

O artista esforça-se.
O artista agradece.
O artista oferece para a revista, se tiver cabimento.
O artista continua a trabalhar na sua arte, aplicadamente.

Anónimo disse...

O artista não quer recolher-se .... lá fora?

Galinha Livre

Vitor Oliveira Jorge disse...

What? I do not understand chicken's language.

Anónimo disse...

Dear artist,

Outside, do you understand? Me & you...let's go outside, like the song, remember? Also you can bring the She-She (let's not say this in portuguese).

Kiss & corn
Free Chicken

Anónimo disse...

Hahaha...xixi??? Ò menina galinha, olhe que a menina Ela Era ou Era Ela até tem uns escritos engraçados no blogue dela. E deve ser uma menina novinha e bonitinha, pela foto. Se for dela, porque há uma que usa uma imagem da Princesa Joana, que é uma tal botânica.

Rudolfo Martins